Portugal já exporta mais produtos de saúde do que vinhos ou cortiça

Luís Portela, o médico que preside ao Health Cluster, diz que Portugal tem “empresas atrevidas que estão voltadas para o mundo” e que há “mais de 30 projectos inovadores a borbulhar”.

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Nelson Garrido

Em nove anos, mais do que duplicámos o valor das exportações de produtos de saúde, enfatiza Luís Portela, presidente do Health Cluster Portugal. Em 2016, foram mais de 1,4 mil milhões de euros. Aos 65 anos, o chairman da farmacêutica Bial está prestes a terminar o último de três mandatos à frente do pólo de competividade que reúne empresas, universidades e hospitais e acredita que o saldo é muito positivo, mas defende que é preciso ir mais longe. “A Europa sabe que temos bons vinhos, mas não sabe que temos boa saúde”, lamenta.

Que balanço faz destes nove anos à frente do Health Cluster Portugal?
Os nossos indicadores de saúde são bons e temos um conjunto de empresas atrevidas que estão voltadas para o mundo. Empresas na área do medicamento, das matérias primas, mas também na área dos dispositivos médicos. A saúde percebeu que tem um potencial de desenvolvimento e que pode ir bastante mais longe.

O que é necessário para que isso aconteça?
É preciso dar continuidade aos investimentos, não deixar cair a boa ciência que temos feito, e criar condições de estabilidade. A saúde não pode ser sujeita a mais medidas restritivas.

Qual foi o impacto dos anos de crise?
Em quatro anos, o preço médio dos medicamentos baixou 30%. Empresas que eram dinâmicas, como a Labesfal, a Generis, a Atral Cipan, entre outras, foram sendo vendidas ao estrangeiro, houve despedimentos. Na Bial fizemos, pela primeira vez na história da empresa, um despedimento colectivo. Agora, não há novas medidas de austeridade, o que é uma boa notícia.

O preço dos medicamentos não pode baixar mais?
Para investir temos que ter margens. Hoje compramos medicamentos a um euro, dois euros... Alguns inovadores são bastante caros, é preciso regulamentação, mas a generalidade dos medicamentos tem preços muitos baixos. Há uma certa tendência para fazer da indústria farmacêutica o mau da fita.

Esta má fama não tem razão de ser, com os casos de corrupção que têm sido detectados?
Há 25, 30 anos, os preços eram de facto muito elevados, as empresas tinham margens grandes e atitudes promocionais por vezes menos correctas, muito agressivas, e isso criou uma má fama. Entretanto, a situação alterou-se significativamente, mas a fama ficou.

O que é que o Health Cluster se propôs fazer e o que é que foi possível concretizar?
A nossa actividade inicial focou-se em darmo-nos a conhecer uns aos outros. As instituições de investigação não conheciam as empresas e as empresas não conheciam os hospitais. O Health Cluster foi criado de baixo para cima, por um conjunto de cidadãos, como Sobrinho Simões, João Lobo Antunes. O segundo objectivo era criar condições para aprofundarmos o que estávamos a fazer. Por isso apoiámos o desenvolvimento de cinco estudos: um sobre a sustentabilidade e competitividade, outro sobre internacionalização; depois um outro sobre a racionalização, outro sobre turismo de saúde, e, finalmente, apoiámos a Gulbenkian no estudo “Um futuro para a saúde”. Desde 2008, realizámos 70 eventos, com 5200 participantes. Hoje temos 170 associados. Criámos ‘subclusters’, nas áreas da oncologia e das neurociências, turismo de saúde, oftalmologia.

Em que é que toda esta actividade se traduziu na prática?
A saúde tem hoje um enorme peso na economia: nestes nove anos passamos de cerca de 600 milhões de euros em exportações para 1,4 mil milhões em 2016, o que é mais do que os vinhos todos somados e mais do que a cortiça. Exportámos sobretudo medicamentos (70%), dispositivos médicos, matérias primas. Esforçamo-nos para colocar a saúde no mapa, mas isso não basta. Temos que levar a nossa notoriedade para fora. A Europa sabe que temos bons vinhos, mas não sabe que temos boa saúde. Este é o caminho que esta direcção não fez, não tivemos tempo. Mas ajudámos a que as coisas acontecessem. Na produção científica, há dez anos, as ciências médicas e da saúde tinham uma prestação claramente inferior a outras, e, em 2014, já representavam 29% do total nacional.

Mas os resultados que contam para a maior parte dos portugueses ainda não se vêem...
Os resultados hão-de chegar. Nas 25 empresas que mais patenteiam em Portugal, dez são da área da saúde. E, nas primeiras 50 que mais investem em I&D, estão a Bial, o grupo José de Mello, a Hovione, a Biocant, a Bluepharma. Na investigação, as empresas da saúde investiram 20% do total em 2014. Por exemplo, a Luzitin, empresa criada pela Bluepharma e a Universidade de Coimbra, está a fazer ensaios clínicos fase II para o tratamento do cancro da cabeça e pescoço. E há contratos para desenvolvimento de projectos com institutos de investigação ou start-ups. Daqui podem surgir projectos interessantes. Neste momento há mais de 30 projectos inovadores a borbulhar nas instituições de saúde.

O problema é que, por exemplo, fala-se do turismo de saúde há anos, mas não se consegue grande coisa, a não ser em nichos.
O caminho está a ser feito. Temos uma concorrência muito grande. Na Turquia, a Turkish Airlines faz descontos de 50%. O estudo permitiu-nos identificar alguns mercados e áreas em que somos competitivos, como a cirurgia às cataratas, artoplastia da anca e do joelho, angioplastia coronária, hérnia inguinal e femoral, medicina dentária de uma forma geral. Temos áreas com preços absolutamente competitivos. Agora, há que conquistar seguradoras alemãs, inglesas, nórdicas, estas coisas não acontecem de um ano para outro.

Como estamos nos ensaios clínicos?
A situação melhorou um bocadinho, mas, se antes estavamos péssimos, agora estamos medíocres. A Bélgica e a República Checa fazem dez vezes mais ensaios clínicos do que nós. Hoje não temos multinacionais a investir em Portugal. Neste momento há um diálogo entre os ministérios da Saúde e da Ciência para que os médicos que querem fazer investigação tenham espaço para isso. A legislação permite melhorar, agora é preciso que as multinacionais ganhem de novo confiança no país e nas instituições para investirem.

É chairman da Bial. Como está a empresa, após a morte de um voluntário no ensaio de uma molécula que estavam a testar em França?
O Zebinix [para a epilepsia], o nosso primeiro produto a nível mundial, está lançado. Demorou 14 anos e custou 300 milhões de euros. Mas, nos EUA, em 2016, já facturou 120 milhões de dólares. O segundo, o Ongentys [para a doença de Parkinson],  já é vendido na Alemanha e no Reino Unido. Temos uma equipa de inovação fantástica, 100 pessoas de dez países. Vivemos anos difíceis, os nossos projectos tiveram que ser retardados. O lançamento do produto para a hipertensão pulmonar foi adiado para 2020, 2021.

O problema com o ensaio clínico em França já está esclarecido?
Ainda não tivemos acesso à autópsia [do voluntário que morreu], mas o Ministério Público francês publicou em Julho um comunicado em que diz que ele tinha uma lesão a nível cortical oculta. Não há qualquer acusação, o inquérito judicial ainda está a decorrer e não tivemos acesso aos dados. Mas temos o dossier bem organizado e sabemos que fizemos tudo direitinho. Aliás, não tivemos por parte da comunidade científica e médica quem nos atirasse pedras. E, acima de tudo, estamos de consciência tranquila.

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