No Porto, o Carnaval é outro, mas também é Carnaval
Não é como no São João. O metro não está à pinha, a ponte D. Luís não abana e não há um mar de gente a engolir os Aliados. Ainda se consegue passar de bar para bar nas galerias e é rápido encontrar alguém no meio da multidão. Basta procurar pelo dinossauro azul. Ou pela Frida Kahlo.
“Aleatório”, “eclético”, “pseudo-intelectual”. Vestiu-se de “o que conseguiu juntar lá em casa”. Queria parecer-se com “um escritor qualquer famoso que dançasse salsa nos tempos livres”. Resultado: uma camisa verde alface, com folhos, óculos de massa redondos que lhe ocupam quase metade da cara e uma caneta a espreitar atrás da orelha. O charuto, que “não é cubano”, já vai quase a meio. A noite, essa, ainda está no início. Encostado à porta de vidro do Café Au Lait, vai olhando lá para dentro. “Só volto a entrar quando a pista abrir”. É agora 1h da manhã.
Entram, tiram os casacos molhados da chuva, arranjam as perucas em frente ao espelho e começam a dançar. Já cá dentro, começam-se a distinguir as caras por trás das máscaras. Num dos cantos está Rui Moreira, o presidente da Câmara do Porto. Não veio disfarçado e, por isso, salta à vista no meio do grupo que dança à sua volta. A noite, diz, “é tão mágica como todas as outras no Porto”.
Mais acima, na Cave 45, na Rua das Oliveiras, Helena veio de Lisboa para fazer uma tatuagem. Está a preparar-se para juntar um coração com flores à colecção de murais que tem espalhados pelo corpo. Não veio mascarada e escolheu a noite de Carnaval “por nenhuma razão em especial”. É a última tatuagem que Filipa Sequeira tem marcada para a noite que “já é dos corações”.
Pelo meio de serpentinas douradas, desce-se para a cave. No palco, está deitado um contrabaixo. Dali a pouco, viria um dos músicos acordá-lo com o rock ’n’ roll dos T. Perry & The Bombers. Juntaram-lhe uma bateria e uma guitarra e o concerto começou a encher a sala.
Por aqui fica-se mais tempo. Se o Carnaval serve para desassossegar, também o rock, além do samba, pode reinar. Mas dentro desta sala, apesar do tema, o porquê do feriado pouco importa. Faz-se festa porque “amanhã não se trabalha” e porque há “boa música”. Os disfarces “só servem de complemento”. O ambiente é parecido com o de todas as noites, os clientes são quase todos habituais.
Na Badalhoca, que não precisa de se disfarçar de rainha das sandes de presunto, há quem já tenha perdido a cabeça. A única altura que alguém viu quem estava por baixo da fatiota de urso foi no momento em que Nuno a pousou para dar uma trinca nas famosas sandes antes de passar ao próximo destino. Mais uma vez, a tasca na baixa do Porto é paragem quase certa sempre que vão sair. Esta noite, só mudaram as vestimentas.
Espera-se que a chuva pare dentro dos bares, debaixo dos guarda-sóis das esplanadas, hoje mascarados de guardas-chuva, nas paragens de autocarros e por baixo das varandas. As ruas da cidade não estão desertas, mas o caminho até ao Teatro Sá da Bandeira faz-se quase sem ouvir vozes.
Chega-se e o Carnaval é burlesco. As cadeiras da plateia central desapareceram e abriram espaço para a pista de dança. É o público que também faz a festa. Smoke On The Water mistura-se com o samba do Rio e a única coisa que Aitor faz é mudar os passos de dança. Passa do forró para o headbang com mestria. Este Marilyn Manson é espanhol e está de visita ao Porto. No Carnaval daqui, diz, “sente-se bem o espírito pagão, vai ser uma boa noite”. A música voltou a mudar, e Aitor já arranjou outro par.
Os confettis que tapam o chão colam-se aos sapatos e trazem a festa de lá de dentro para cá para fora. Mas para já, são poucos os que estão a pensar sair.
Em frente ao Jardim de S. Lázaro, na Faculdade de Belas Artes, a festa está dispersa. Um grupo dança no escuro em frente aos DJ’s, outros ficam a conversar no corredor que acaba no bar improvisado e há casais perdidos pelos cantos. Para uma das alunas, “esta é a noite onde as máscaras caem”.
No Plano B, onde a noite foi acabar, também se fala em liberdade. Nesta e em todas as outras noites. Nas duas salas e no átrio de entrada dança-se, conversa-se e faz-se a festa. A fila para entrar ainda continua lá fora. Há um grupo de mulheres vestidas de enfermeiras que chamam a atenção, e depois delas muitas outras e muitos outros entram e criam burburinho. Uma brasileira comenta que “vai virar a noite” como se estivesse no Brasil. No Porto, o Carnaval é outro, mas também é Carnaval.
Texto editado por Hugo Daniel Sousa