“Um registo oncológico sem os dados dos doentes não serve para nada”
Directora do Registo Oncológico Regional Sul critica posição da Comissão Nacional de Protecção de Dados.
Para a directora do Registo Oncológico Regional Sul (ROR-Sul), se a proposta de um registo oncológico nacional avançar com o pressuposto de que os dados dos doentes devem omitidos, então o projecto “não vai servir para nada”. Ana Miranda lembra que os actuais registos de âmbito regional, como o ROR-Sul, nunca trouxeram problemas de segurança e privacidade para os doentes e “funcionam com acesso aos dados pessoais, fundamentais para se estudar o cancro”.
A proposta de lei sobre a criação de um registo oncológico nacional já deu entrada na Assembleia da República, mas a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) deu um parecer negativo, levantando fortes objecções ao documento, por considerar que não salvaguarda a privacidade dos doentes. A CNPD defende que o registo só deve avançar se não forem incluídos o número de utente e o número do processo clínico dos utentes.
O Governo já tinha acatado uma primeira recomendação da comissão, que ia no sentido de também não ser introduzido nem o nome nem o mês de nascimento dos doentes no registo. Uma recomendação que Ana Miranda não entende. A médica do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa vai mais longe e insiste: “Se aprovarem a lei assim o registo acaba. Sem identificação dos doentes não há registo”. A directora do ROR-Sul lembra que os doentes oncológicos circulam por vários serviços e hospitais e explica que, por exemplo, à base de dados do ROR-Sul chegam por vezes resultados de “uma citologia, biópsia e peça operatória do mesmo doente” – e só com acesso aos dados conseguem agrupar a informação.
"Embirração com o registo do cancro"
Ana Miranda afirma que os problemas levantados pela CNPD representam uma “falsa questão” e insiste que não são apenas os registos regionais do Sul, Centro e Norte a funcionarem até agora sem problemas. A especialista do IPO diz que o sistema informático dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde “tem estes mesmos dados relativos a doenças como hipertensão, enfarte, acidente vascular cerebral, VIH/Sida ou mesmo cancro”. “Funcionamos todos na mesma intranet na rede informática da Saúde, pelo que esta questão [da CNPD] é uma embirração com o registo de cancro”.
A directora do ROR-Sul foi uma das pessoas ouvidas pelo grupo de trabalho que está a acompanhar a proposta sobre o registo nacional. “Quando fui ouvida disse que esta decisão [da inclusão dos dados] é uma decisão política. Não é uma decisão técnica. E se aprovarem o registo assim, sem os dados, estão a acabar com o registo de cancro”.
O coordenador do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas da Direcção-Geral da Saúde, Nuno Miranda, também já tinha referido ao PÚBLICO, em Dezembro, que considerava que a CNPD estava a levantar “obstáculos excessivos e desproporcionais”. “Não se trata de um registo aberto e acessível ao público em geral, pelo que não me parece que faça sentido esta quantidade de obstáculos face a um registo que é extremamente necessário para sabermos o que se passa em termos de realidade oncológica em Portugal”, defendeu, na altura.
Além de agregar e uniformizar os dados dos registos oncológicos regionais, a base nacional somará os novos casos de cancro (cujo registo terá de ser feito até nove meses a contar do diagnóstico) e a posterior actualização anual do estadio da doença, das terapêuticas usadas e do estado vital do doente. Os dados são mantidos no anonimato até 15 anos após a morte do doente.