Idosos e crianças vítimas de quase metade dos homicídios em 2016
Nos últimos quatro anos, quase 400 pessoas pediram o apoio da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima. O número de homicídios em Portugal teve uma diminuição significativa no ano passado mas um terço dos homicídios aconteceu em contexto de violência doméstica.
Os dados do mais recente relatório da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), apresentados esta quarta-feira, mostram que houve uma redução do número de homicídios em Portugal nos últimos dois anos e que quase metade das vítimas de homicídio em 2016 eram idosos e crianças.
O Observatório de Imprensa de Crimes de Homicídio em Portugal e de Portugueses Mortos no Estrangeiro (OCH), criado pela APAV em 2014, contabilizou um total de 446 crimes nos últimos três anos, entre 352 homicídios em Portugal e a morte de 94 portugueses no estrangeiro.
Em 2014, o OCH registou 127 homicídios em Portugal, um número que tem tido uma tendência de descida, com uma diminuição significativa entre 2015 e 2016.
Das 103 pessoas mortas no ano passado, 19 casos (18,4%) são crianças e jovens até aos 20 anos, entre os quais oito tinham menos de dez anos. Foram registadas também 22 mortes de pessoas com mais de 66 anos, dez das quais tinham mais de 81 anos - um número que, segundo destaca o relatório da APAV ,“evidencia a fragilidade em que se encontram as pessoas idosas”.
As vítimas de homicídio são predominantemente do sexo masculino, sendo o sexo feminino quem mais tem recebido o apoio especializado da Rede de Apoio a Familiares e Amigos de Vítimas de Homicídio (RAFAVH).
Violência doméstica
Os dados recolhidos pela APAV apontam para uma predominância dos crimes ocorridos “em contexto de relação de intimidade, em curso ou já cessada”, com um total de 17 casos entre os homicídios ocorridos em Portugal. No outro extremos estão os casos em que não existe uma ligação entre homicida e vítima directa, com 20 dos crimes reportados perpetrados por desconhecidos.
A APAV chama ainda a atenção para os crimes que ocorrem em contexto de violência doméstica – seja em relações de intimidade, relações parentais ou família mais alargada –, responsável por um terço dos homicídios ocorridos em Portugal.
Em termos gerais, quase metade dos 75 processos de apoio iniciados pela APAV em 2016 tiveram “como móbil uma situação de violência doméstica”. Nas situações de homicídio na forma tentada, mais de dois terços dos processos de apoio iniciados tiveram a sua origem num contexto de violência doméstica.
Recuperação dolorosa
O relatório da APAV sobre vítimas de homicídio revela ainda que 391 pessoas pediram o apoio da associação nos últimos quatro anos, 205 por causa de homicídios na forma tentada e 186 por causa de homicídios consumados.
Olhando para os dados do ano passado, ao longo do qual 75 pessoas precisaram da ajuda da APAV, três quartos dos que procuram a APAV nos casos de homicídio tentado são as próprias vítimas, sendo também acompanhados pelos filhos, pais e, em um dos casos, do cônjuge. No caso do apoio a familiares e amigos de vítimas de homicídios consumados, a maioria destas “vítimas invisíveis” apoiadas em 2016 eram pais e filhos, contando-se ainda avós, irmãos e cônjuges das vítimas.
A duração média de um processo de apoio à vítima é de um a dois anos, um prazo ligado à “duração do processo judicial, que tende a ter a sua conclusão (leitura de sentença/acórdão) neste prazo”. Trata-se de um período difícil para os familiares e amigos das vítimas, relata a associação, durante o qual as diligências até à conclusão do processo “reactivam a memória e o impacto do crime”, dificultando o regresso à normalidade.
O processo de apoio termina, de acordo com a APAV, “quando a vítima consegue recuperar a normalidade possível na sua vida”, quando desiste do processo de apoio ou quando passa a ser acompanhada por outra instituição de apoio psiquiátrico ou médico.
"Vítimas invisíveis"
A Rede de Apoio a Familiares e Amigos de Vítimas de Homicídio foi criada pela APAV em 2013 para dar resposta ao sofrimento destas pessoas "que muitas vezes não são consideradas vítimas".
"Temos frequentemente familiares – pais, mães, filhos, tios, avós – que nós chamamos de vítimas invisíveis a sofrerem em silêncio porque não se reconhecem enquanto vítimas por direito e, por outro lado, não lhes é oferecido o apoio que deveriam ter", apontou à Lusa Bruno Brito, o gestor da rede.
Para o responsável, esta realidade "tem muito que ver com o facto de o sistema judicial estar muito virado para a acusação do arguido", havendo "alguma dificuldade em reconhecer os direitos das vítimas enquanto vítimas directas, dos familiares e amigos ainda mais".
"Estamos a trabalhar para que esta sensibilização aumente, não só da sociedade em geral, mas das entidades que lidam com estas pessoas nos momentos mais críticos, seja quando os homicídios acontecem, seja depois, durante todo o processo judicial", adiantou.