Para Trump a criação de Estado palestiniano já não é obrigatória para a paz

Presidente norte-americano pediu a Netanyahu para "conter colonatos durante algum tempo", mas não manteve aquela que era a posição assumida pela diplomacia americana há duas décadas.

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Kevin Lamarque/Reuters

O Presidente norte-americano, Donald Trump, quebrou com a posição assumida nas últimas duas décadas pelos EUA, ao não definir a criação de um Estado palestiniano como um dos grandes objectivos a atingir em futuras negociações de paz. O formato do “verdadeiramente grande acordo de paz” que quer para o Médio Oriente terá de ser decidido por israelitas e palestinianos e não imposto de fora, defendeu.

As declarações de Trump, que uma fonte da presidência tinha deixado adivinhar num briefing na véspera com jornalistas, são a prenda desejada por Benjamin Netanyahu. O primeiro-ministro israelita – fragilizado por suspeitas de corrupção e sob intensa pressão da direita ultranacionalista – foi a Washington na esperança de obter o máximo de concessões do novo Presidente norte-americano, depois da inflexibilidade com que a Administração de Barack Obama defendeu a solução de dois Estados e o congelamento da construção de novos colonatos em Jerusalém e na Cisjordânia.

“Estou a olhar para [a solução] de dois Estados e para a solução de um Estado”, afirmou Trump, afirmando que apoiará “aquela que as duas partes gostarem”. “Consigo viver com qualquer uma delas”, acrescentou, dizendo que apesar de muito apostado em conseguir aquilo que nenhum Presidente norte-americano conseguiu em 60 anos não pretende “impor” uma solução às partes.

Netanyahu, que se comprometeu em 2009 com a criação de um Estado palestiniano, alinhou pelo menos tom, dizendo que os negociadores não devem concentrar-se em “etiquetas” mas na “substância” do que pode ser atingido. Reafirmou em seguida “dois pré-requisitos para a paz” que a Autoridade Palestiniana sempre considerou inaceitáveis: o reconhecimento de Israel como um Estado judaico e a aceitação de que o país manterá “o controlo da segurança sobre a totalidade da área a Oeste do rio Jordão [Cisjordânia]”.

Alarmado com a possível mudança do padrão que desde 2001 rege a diplomacia americana, o secretário-geral da ONU, António Guterres, avisou que “não há uma solução alternativa” que conduza à paz para lá daquela que prevê que, no fim das negociações, os palestinianos terão pela primeira vez um Estado. Também o principal negociador palestiniano, Saeb Erakat, avisou que deitar fora a solução de dois Estados, como sugerem Trump e Netanyahu, “não é uma piada”. “A alternativa à criação de um Estado Palestiniano ao lado de Israel segundo as linhas anteriores a 1967 é um [único] Estado democrático e secular onde judeus, cristãos e muçulmanos possam viver juntos”, disse, sublinhando uma linha vermelha que Israel nunca aceitou.

Na recepção em Washington, Trump pediu flexibilidade e capacidade de compromisso às duas partes – o que no caso de Israel, diz, implica “conter os colonatos durante um bocado”. “Como um bom negociador que és sabes isso, certo?”, perguntou Trump a Netanyahu, que, sem se desviar do que trouxe para a reunião, insistiu que os colonatos “não estão no centro deste conflito”, alegando que “na origem” do problema está recusa a palestiniana em reconhecer o Estado de Israel. 

Um pequeno desvio num consenso quase perfeito entre os dois líderes, unidos em quase tudo o mais, seja na ideia de envolver os países árabes numa negociação de paz mais abrangente – ideia tentada sem grande sucesso por Obama –, seja nas críticas ao acordo nuclear com o Irão ou no repúdio ao “tratamento injusto e parcial de que Israel tem sido alvo na ONU”. Sobre a mudança da embaixada americana para Jerusalém, gesto incendiário para os países árabes, Trump disse apenas que “adoraria que isso acontecesse” e prometeu “estudar [a sua concretização] com grande carinho”. 

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