Canonização da irmã Lúcia passa para as mãos da Santa Sé
Candidatura da mais velha das videntes de Fátima só terá desfecho positivo se o Papa declarar como milagres as alegadas curas obtidas pelos crentes.
Ao longo de mais de oito anos, cerca de três dezenas de pessoas, entre as quais 18 teólogos, analisaram à lupa milhares de cartas e depoimentos de mais de 61 testemunhas que se cruzaram com a irmã Lúcia, ao longo dos seus quase 98 anos de existência. Esta segunda-feira chega finalmente ao fim a fase diocesana do processo de beatificação e canonização da carmelita. Mas deverão decorrer ainda alguns anos até que a santidade de Lúcia venha a ser declarada pela Igreja Católica.
Marcada para o dia em que se completaram 12 anos desde a morte de Lúcia (1907-2005), a sessão de encerramento da fase diocesana do processo realiza-se esta tarde no Carmelo de Santa Teresa, em Coimbra, onde a freira viveu em clausura durante 57 anos, e inclui a selagem da última de seis caixas contendo um dossier de mais de 15 mil páginas. Na documentação, que será agora remetida para a Congregação da Causa dos Santos, no Vaticano, incluem-se cerca de 11 mil cartas e mais de duas mil páginas do diário pessoal de Lúcia, além da transcrição dos depoimentos de 61 testemunhas que contactaram com a vidente. Tudo tendo em vista atestar “as virtudes heróicas” tidas como necessárias para que alguém seja declarado beato ou santo.
Concluída a fase diocesana, um relator nomeado pela Santa Sé deverá elaborar a chamada positio – um compêndio dos relatos e estudos realizados por uma comissão jurídica. Será este texto, que poderá demorar ainda dois a três anos a ser redigido, que definirá se a Igreja deve declarar as virtudes de santidade de Lúcia Rosa dos Santos - nome civil da carmelita. Os trâmites incluem consultas médicas sobre as alegadas curas obtidas por crentes, para apurar se as mesmas são efectivamente inexplicáveis à luz da ciência. Se um destes milagres for considerado autêntico, a Igreja procede à beatificação, sendo que apenas o Papa tem o poder final de reconhecer uma cura como milagre. Com um segundo milagre, o Papa pode concretizar a canonização, que mais não é do que a confirmação por parte da Igreja de que um fiel católico é digno de culto universal (no caso dos beatos, o culto é diocesano).
Processo vai demorar vários anos
O mais natural é que decorram vários anos até que Lúcia possa ser venerada como beata ou como santa, sendo certo que, o passo seguinte, será aguardar confirmação por parte de Roma de que o processo foi feito de acordo com as regras. “Estamos a falar de um tempo muito dilatado”, declarou à agência Ecclesia a vice-postuladora da causa, Ângela Coelho, que é também postuladora da causa de canonização dos beatos Jacinta e Francisco Marto, os irmãos que, juntamente com Lúcia, segundo a Igreja Católica, presenciaram as aparições de Virgem Maria, na Cova de Santa Iria, entre Maio e Outubro de 1917.
Vitimados pela gripe espanhola ainda em crianças, Jacinta e Francisco Marto foram beatificados a 13 de Maio de 2000, pelo Papa João Paulo II, em Fátima. Nos últimos dias, especulou-se sobre a possibilidade de a canonização dos dois irmãos ser declarada pelo Papa Francisco, aquando da sua visita a Fátima, nos próximos dias 12 e 13 de Maio, mas a própria Igreja portuguesa já veio declarar que isso é pouco provável.
O processo para a canonização de Lúcia, que está sepultada na Basílica de Nossa Senhora do Rosário, em Fátima, desde 2006, iniciou-se no dia 30 de Abril de 2008. Apesar de o tempo de espera estipulado pelo direito canónico ser de cinco anos após a morte da pessoa, o Carmelo de Santa Teresa obteve do papa Bento XVI autorização para iniciar o inquérito diocesano dois anos antes.
Entre as cartas escritas por Lúcia, encontra-se uma em que esta afiançava que Oliveira Salazar era o homem escolhido por Deus para “continuar a governar” o país. A freira e o ditador corresponderam-se durante algum tempo, nomeadamente para discutirem as obras de restauro do Carmelo de Coimbra, e uma das missivas de Salazar está agora exposta no memorial de Lúcia. Ao longo dos anos de clausura, Lúcia recebeu incontáveis visitas, de cardeais a bispos mas também de leigos como o actor e realizador Mel Gibson. A irmã Ana Sofia, que viveu com Lúcia no Carmelo de Coimbra e cuja biografia escreveu, contou à agência Ecclesia que a carmelita não sabia de quem se tratava.