Tribunal lembra a Trump que o poder presidencial tem limites
O Presidente dos EUA reagiu furioso à decisão do Tribunal Federal de Recurso, que manteve a suspensão da sua directiva anti-imigração. Mas a Administração não dispõe de muitas opções na defesa da acção unilateral de Trump.
Confrontado pela primeira vez com os limites do seu poder executivo, um furioso e inconformado Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, prometeu recorrer da decisão judicial que prolongou a suspensão da sua polémica directiva anti-imigração até serem esclarecidas todas as dúvidas sobre a sua constitucionalidade, num outro processo que ainda está em curso. “Vemo-nos em tribunal”, foi a inusitada resposta de Trump aos juízes, escrita em letras maiúsculas no Twitter.
Mas o recurso para o Supremo Tribunal, de desfecho imprevisível, pode acabar por agravar a fúria do Presidente que, três semanas depois de tomar posse, começa a descobrir que não pode gerir o país sozinho, como aparentemente fazia com a sua empresa – e como prometeu aos eleitores norte-americanos. Para comentadores políticos e analistas jurídicos, essa será a principal razão para a “birra” de Trump, que se insistir em travar uma batalha pessoal contra o sistema judicial, e em recusar aceitar o funcionamento dos checks and balances, pode de repente abrir uma crise constitucional.
A directiva anti-imigração, assinada de surpresa a 27 de Janeiro em nome da segurança nacional, impõe a suspensão provisória do programa de acolhimento de refugiados nos EUA e proíbe, também de forma temporária, a entrada no país de todos os cidadãos de sete países de maioria muçulmana (Irão, Iraque, Síria, Líbia, Somália, Sudão, Iémen), considerados locais de risco de militância islamista. A sua imediata aplicação provocou o caos nas fronteiras e nos aeroportos norte-americanos, e motivou uma forte reacção de repulsa por parte da sociedade, que rapidamente se mobilizou em protesto.
A confusão só durou uma semana, porque o tribunal federal de Seattle aceitou uma queixa, dos estados de Washington e Minnesota, a contestar a legalidade da ordem presidencial. Ao mesmo tempo, o juiz James Robart deu provimento a uma providência cautelar, aceitando – tal como agora o tribunal de recurso – a necessidade de evitar os “danos irreparáveis” que a aplicação da directiva podia causar aos cidadãos afectados. A primeira audiência do caso principal está marcada para o dia 3 de Março.
Autoridade presidencial reconhecida
A deliberação unânime dos três juízes da 9.ª circunscrição do Tribunal de Recursos, em São Francisco, reconhece a autoridade do Presidente para assinar medidas que levem à restrição ou suspensão da entrada de estrangeiros no país – sejam eles refugiados, imigrantes ou visitantes. Mas é particularmente danosa para a Administração porque questiona a tendência de Trump para se colocar à margem da lei, e se isentar do escrutínio das suas acções, excedendo assim o seu poder e legitimidade.
“O Governo assumiu a sua posição de que as decisões do Presidente em matéria de política de imigração, particularmente quando motivadas por preocupações de segurança nacional, não podem ser revistas ou revogadas, mesmo se essas acções potencialmente colidirem com direitos e protecções constitucionais. Mas não existe nenhum precedente que sustente essa pretensa irrevogabilidade, que vai contra a estrutura fundamental da nossa democracia constitucional”, concluíram os juízes – dois deles nomeados por um Presidente democrata (Jimmy Carter e Barack Obama), e um terceiro por um Presidente republicano (George W. Bush).
Supremo pode não aceitar recurso
A 9.ª circunscrição do Tribunal de Recursos é, talvez, a mais liberal do país: em média, mais de metade das suas sentenças que são disputadas acabam por ser revertidas pelo Supremo Tribunal. Faz, por isso, todo o sentido que a Administração venha a privilegiar a mais alta instância, apresentando um chamado recurso de emergência, em vez de exercer a sua prerrogativa de pedir uma revisão da sentença por um painel completo, constituído por onze juízes.
Essa parece ser a intenção do Presidente, mas como avisam os especialistas, é uma jogada de risco e elevada probabilidade de insucesso. Um recurso de emergência cairia, em primeiro lugar, na mesa de Anthony Kennedy, o juiz menos ideológico do Supremo e a quem caberia a decisão de “endossar” o caso ao colectivo ou indeferir a pretensão, fazendo valer a pronúncia do tribunal de recurso. Tendo em conta que se trata de julgar uma providência cautelar, e que é de esperar que a constitucionalidade da directiva de Trump acabe por chegar ao Supremo por via da sentença da acção principal, é muito provável que o tribunal se abstenha de pronunciar-se numa fase tão preliminar do processo.
Além disso, há um precedente a condicionar o Supremo. Em 2014, quando o colectivo foi chamado a decidir sobre a providência cautelar que suspendeu uma directiva de imigração assinada por Barack Obama (que permitiu a permanência no país de milhões de trabalhadores sem visto de entrada), deparou-se com um empate irresolúvel de 4-4. Essa é uma situação que os juízes podem não querer repetir, até porque na hipótese de um novo empate, é considerada a validade da sentença do tribunal de recurso.
Trump é o seu pior inimigo?
Com mais de 20 processos em curso por todo o país contra a directiva de Trump (interpostos por procuradores estaduais, por organizações de defesa dos direitos humanos ou por indivíduos que foram detidos ou deportados), a procissão ainda vai no adro do ponto de vista jurídico. Mesmo assim, a maior parte dos analistas concordavam que era impossível não interpretar a deliberação de São Francisco como uma pesada derrota para o Presidente, cujas mensagens inflamatórias publicadas no Twitter e “factos alternativos” veiculados como verdades absolutas foram invocadas na sentença dos juízes como “argumentos a ser considerados” na avaliação dos méritos (legais) da sua directiva. O que quer dizer que quando se pronunciar sobre a possível violação das protecções constitucionais contra a discriminação religiosa, o juiz James Robart pode ter em conta as repetidas promessas de campanha de Donald Trump de “proibir as entradas de muçulmanos” nos EUA.
Nova directiva
A Administração dispõe de uma alternativa óbvia para evitar que este processo se arraste nos tribunais: deixar de insistir na directiva em causa, retirando-a ou substituindo-a por outro decreto presidencial que responda às dúvidas constitucionais levantadas pelos juízes. Ou então, desistir da acção unilateral mais musculada e negociar com o Congresso uma revisão da lei de imigração que contemple novas medidas ajustadas aos riscos e ameaças à segurança nacional. Será porventura a hipótese que menos agrada a Trump, avesso a reconhecer erros e derrotas, mas não está afastada. “Podemos recorrer. Ou não. Podemos decidir avançar noutra direcção. Estamos a considerar todas as possibilidades”, disse ao Politico o advogado do Departamento de Justiça, Erez Reuveni, questionado sobre o próximo passo da Administração.
"Faremos tudo o que for preciso para manter o país seguro", declarou o Presidente Donald Trump aos jornalistas da Casa Branca, à margem da recepção ao primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe. "Vamos tomar medidas adicionais para a segurança do nosso país muito em breve, talvez na próxima semana", prometeu, sem esclarecer, contudo, que medidas serão essas.