UE quer acordo com a Líbia para estancar imigração

Conselho Europeu vai apreciar proposta para devolver migrantes ao país de onde partiram 180 mil pessoas no ano passado com destino à UE. Alemanha é contra.

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Salvamento de migrantes ao largo da Líbia em Agosto passado Yara Nardi/Cruz Vermelha Italia/Reuters

Oferecer dinheiro ao frágil governo líbio apoiado pela ONU para que impeça os milhares de migrantes cruzam o Mediterrâneo de chegar à Europa é uma das propostas na mesa dos líderes europeus em Malta. O objectivo é fazer um acordo semelhante ao assinado com a Turquia. Só que a Líbia é um país dilacerado pela guerra civil desde 2011, em que o poder está nas mãos de terroristas e senhores da guerra.

Num acordo de benefícios mútuos com os países da UE, Muammar Khaddafi mantinha os milhares de migrantes africanos que constantemente chegam à Líbia afastados das costas europeias. Depois da revolta que o derrubou, em 2011, a Líbia transformou-se na principal plataforma para a entrada de refugiados e migrantes através da rota do Mediterrâneo Central.

Cerca de 180 mil pessoas tentaram atravessar o Mediterrâneo no ano passado – pelo menos 4000 morreram – numa perigosa travessia a bordo de pequenos barcos de borracha superlotados, explorados por “traficantes de seres humanos”, na designação da UE.

O Conselho Europeu vai apreciar um plano apresentado pelo presidente em exercício da UE, Joseph Muscat, que tem tudo para ser polémico. “A UE quer tentar “incentivar os regressos voluntários dos migrantes”, diz a Reuters, citando algumas passagens do documento que deverá ser apreciado pelos líderes europeus nesta sexta-feira. Além disso, Bruxelas quer “analisar a possibilidade de enviar migrantes de volta para a Líbia”, ainda que a maioria dos que chegam às costas da UE sejam naturais de outros países.

A UE pretende também ajudar a Líbia a policiar as suas fronteiras terrestres, oferecendo “financiamento, treino e equipamento” ao governo apoiado pela ONU, em colaboração com os vizinhos Egipto, Tunísia e Argélia. Não se sabe quanto dinheiro estaria a UE disposta a avançar.

A Alemanha manifestou-se contra o projecto capitaneado pelo primeiro-ministro maltês. O jornal Die Welt divulgou um relatório do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Berlim em que são mencionados “fotos e vídeos autênticos feitos com telemóveis que provam condições semelhantes às de campos de concentração em prisões privadas” na Líbia. Estes campos são operados por traficantes de seres humanos. “Execuções, tortura e violações” são acontecimentos diários.

A chanceler Angela Merkel disse que a UE deve trabalhar com a Líbia para controlar a migração ilegal, mas não pode assinar um acordo como o que a une a Ancara – a troco de seis mil milhões de euros, a Turquia mantém no seu território todos os refugiados sírios e do Iraque que tentaram chegar à Europa através das suas costas. “Só quando a situação política tiver melhorado, quando o governo de unidade controlar realmente todo o país e for possível conversar sobre direitos humanos e outros assuntos”, disse Merkel, citada pela Reuters.

Factor Haftar

O governo de unidade nacional, apoiado pela ONU, está longe de ser o único centro de poder, e de controlar todo o território. Resulta de um acordo, feito há cerca de um ano, entre os dois principais grupos armados líbios – que chegaram a ter governos rivais. “O governo de unidade nunca teve um controlo firme sobre Trípoli, e muito menos sobre o resto do país”, escreve a consultora militar norte-americana Stratfor. “Teve pouco sucesso em estabelecer-se como representativo de toda a Líbia, e está a perder adesão até entre os seus apoiantes.”

O contacto entre um poderoso general líbio e o Governo russo pode acrescentar um novo elemento de imprevisibilidade ao perigoso campo minado que é hoje este país. O general Khalifa Haftar, que lidera um exército de 60 mil efectivos, com aviação própria, controla o Leste da Líbia. Recentemente, as suas forças atacaram as milícias de Misurata, que no mês passado derrotaram o Daesh em Sirte.

Ao ataque de Haftar juntam-se os contactos que o antigo general de Khaddafi tem estabelecido com o Governo russo. Há duas semanas, esteve a bordo do porta-aviões russo Almirante Kusznetsov, que regressava da Síria. Na visita, Haftar terá falado com o ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, por videoconferência, para falar da possível abertura de duas bases militares na Líbia, em troco de apoio de Moscovo às pretensões do general, noticiou a televisão pública italiana RAI.

O Kremlin nega ter planos para construir bases na Líbia. Mas em Novembro, Haftar visitou Moscovo, onde foi recebido no Ministério dos Negócios Estrangeiros. E cerca de 70 soldados feridos de Haftar foram enviados para a Rússia, para receberem tratamento, diz a Reuters.

Os analistas reconhecem a importância de Haftar para o futuro do país. “A grande questão é se o general pretende ter um papel no âmbito do governo de unidade ou tornar-se no novo líder líbio”, disse à Al-Jazira o especialista do Instituto de Estudos Políticos Internacionais, Arturo Varvelli.

 

 

 

 

 

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