Um guião para o "Brexit" sem novidades e que não acalma os europeístas
Livro branco reafirma objectivos que já tinham sido delineados por May. Trabalhistas insistem que Parlamento deve ter palavra final sobre acordo que for negociado com Bruxelas.
É mais uma peça do puzzle que a primeira-ministra britânica tem de completar antes de poder iniciar as negociações para a saída da União Europeia – cumprindo a promessa feita aos deputados, o Governo divulgou nesta quinta-feira o seu guião para os dois anos de discussões com Bruxelas. Um documento quase sem novidades em relação ao discurso feito há duas semanas por Theresa May e que não se compromete a dar ao Parlamento a palavra final sobre o que vier a ser acordado com Bruxelas.
No essencial, as 77 páginas do “livro branco” reafirmam os 12 objectivos estratégicos definidos por May, incluindo o de voltar a controlar a imigração para o país ou o fim da jurisdição do Tribunal de Justiça da UE, duas prioridades que Londres reconhece agora que excluirão o Reino Unido do mercado único europeu. Para o substituir, o Governo britânico quer negociar “um acordo de comércio que garanta transacções de bens e serviços o mais livres e sem fricções possíveis”, repetiu no Parlamento David Davis, o ministro para o “Brexit”.
O responsável confirmou ainda que o Reino Unido reconhece que terá de deixar a união aduaneira – que fixou uma tarifa única para as importações de países terceiros e delegou na Comissão Europeia a negociação de acordos comerciais. E apesar de aceitar que não poderá assinar acordos comerciais com outros países antes de deixar a UE, acredita que “há muito que poder ser feito para preparar [esses acordos]” sem desrespeitar as obrigações europeias.
Há algumas pequenas novidades – pela primeira vez o governo conservador admite criar um tribunal arbitral para dirimir conflitos comerciais com a UE e, a respeito do controlo da imigração, admite que o sistema que vier a ser adoptado “poderá ser aplicado de forma faseada” para dar às empresas e aos trabalhadores tempo para se adaptarem às novas regras.
A oposição não tardou a criticar o acordo que, segundo o porta-voz do Partido Trabalhista, Keith Starmer “não diz nada de novo”, nem responde às questões essenciais, seja sobre a situação “dos cidadãos europeus que vivem no Reino Unido, a protecção dos direitos dos trabalhadores e dos consumidores ou como vai conseguir um acesso sem tarifas ao mercado único”. Este guião, acrescentou, “é uma lista de desejos, não um plano de acção”.
A primeira-ministra aceitou divulgar a sua estratégia para impedir que a ala pró-europeia dos conservadores juntasse forças com os trabalhistas, ambos alarmados com a sua opção por uma ruptura total com a UE (“hard Brexit”). Um objectivo que atingiu na quarta-feira, com a aprovação na generalidade da lei que lhe confere poderes para desencadear o processo de saída. Mas uns e outros continuam apostados em obrigar o Governo a aceitar um maior envolvimento do Parlamento, seja durante seja depois de concluídas as negociações com Bruxelas.
Starmer reafirmou que o Labour vai propor várias emendas à lei do “Brexit” durante a discussão na especialidade, na próxima semana, a fim de garantir que os deputados poderão votar o acordo que for negociado com a UE antes de este ser aprovado pelo Parlamento Europeu para, caso não o aprovem, o Governo ter tempo de renegociar alguns aspectos. Downing Street rejeita ceder qualquer poder negocial aos deputados, mas os tories pró-europeus não excluem uma rebelião. “Não vou assinar um cheque em branco”, garantiu ao jornal Independent Neil Carmichael, o primeiro a admitir publicamente que poderá apoiar as propostas de alteração trabalhistas.