Na Fajã de São Jorge, temem-se mais os avisos das Finanças do que os da meteorologia

As condições atmosféricas na planície junto ao mar dos Açores são, por norma, adversas. O autarca da Calheta diz que, por vezes, as ondas destroem habitações.

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Esta quarta-feira foi emitido um "aviso vermelho" para o arquipélago devido a forte agitação marítima LUSA/ANTÓNIO ARAÚJO

Na Fajã da Caldeira do Santo Cristo, na ilha de São Jorge, nos Açores, área plana junto ao mar, há quem assuma ter mais medo dos avisos das Finanças do que dos avisos meteorológicos que antecipam agitação marítima forte. "Eu tenho mais medo das Finanças e da Segurança Social. [O mar] tem que passar a lagoa para chegar à minha casa, que fica alta", afirmou esta quinta-feira à agência Lusa José Borges, de 54 anos, que garante não perder noites de sono por causa do mau tempo no arquipélago.

Na ilha de São Jorge existem mais de sete dezenas de fajãs, pequenas planícies férteis junto ao mar que tiveram origem em desabamentos de terras ou lava. Foram classificadas em Março de 2016 como Reserva da Biosfera pela Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.

Localizada na freguesia da Ribeira Seca, no concelho da Calheta, a fajã da Caldeira do Santo Cristo é reserva natural e área ecológica especial. Considerada um santuário do bodyboard e do surf, é também o único local nos Açores onde se desenvolvem amêijoas, segundo o site VisitAzores.

José Borges, proprietário do único restaurante da fajã, afiançou que as ondas grandes não lhe metem medo, até porque faz mergulho há 43 anos neste "santuário de paz e silêncio, muito procurado por surfistas de todo o mundo", ao qual só se acede por um trilho pedestre, de moto e via marítima. "Eu morei nas Velas e na Calheta, mas como tinha casa [na fajã] da parte da minha mulher e como gosto do mar meti-me aqui", adiantou José Borges, que já se habituou aos Invernos muito rigorosos desta fajã, onde "moram permanentemente três pessoas e a luz chega através de geradores".

O presidente da Câmara da Calheta, Décio Pereira, salientou que a população está habituada a condições atmosféricas mais adversas, pelo que "não se assusta facilmente". "Eu próprio já estive [na fajã] perante situações destas e nunca saí de lá por causa disso [mau tempo]. Se calhar é mais assustador andar num autocarro do Porto para Lisboa a 200 quilómetros à hora", considerou Décio Pereira.

O autarca referiu que no passado as ondas chegaram a destruir as habitações localizadas mais junto ao mar, mas os proprietários acabaram por as reconstruir, porque "na ilha há uma grande tradição de ter casa nas fajãs". "Durante a última década podem ter ocorrido duas ou três situações [de destruição provocadas pelas ondas], mas em situações de mar muito mais complicadas" do que as registadas na quarta-feira, adiantou Décio Pereira.

A ilha de São Jorge, no grupo central dos Açores, foi uma das sete ilhas do arquipélago que estiveram na quarta-feira sob "aviso vermelho" devido à agitação marítima, que previa ondas até 18 metros de altura neste grupo.