Republicanos satisfeitos com indicação de Trump para o Supremo Tribunal

Presidente dos EUA defendeu a escolha de Neil Gorsuch face à oposição dos democratas no Congresso. Conservadores prometem recorrer à "opção nuclear" e fazer aprovar a nomeação sem uma super-maioria

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Juiz Neil Gorsuch é visto como um discípulo de Scalia, seguidor da chamada "linha pró-vida” MICHAEL REYNOLDS/EPA

Neil Gorsuch, o homem seleccionado pelo Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para ocupar a cadeira do Supremo Tribunal que está vaga há quase um ano, após a morte do juiz Antonin Scalia, esteve esta terça-feira reunido com a liderança republicana do Senado – que durante os últimos dez meses bloqueou todas as iniciativas da anterior Administração Obama destinadas a reconfigurar o colectivo do tribunal com um pendor mais liberal.

Os republicanos não podiam estar mais satisfeitos com a escolha de Trump, elogiada pelo speaker do Congresso, Paul Ryan, como “fenomenal”. E não podiam estar mais indignados com a posição da bancada democrata, que mesmo sem ter prometido boicotar a nomeação de Gorsuch – como fizeram os republicanos quando Obama propôs o nome de Merrick Garland – exigiu que fosse respeitada a tradição de aprovar o seu nome com uma supermaioria de 60 votos que os conservadores não podem garantir.

A escolha de Gorsuch, que actualmente dirige a 10.ª circunscrição do Tribunal de Recursos dos EUA, em Denver, preserva a divisão ideológica entre cinco conservadores e quatro liberais que prevalece desde a década de 70 na mais alta instância judicial norte-americana. Além disso, o juiz é visto como um discípulo de Scalia, seguidor da chamada linha “pró-vida” (antiaborto, antieutanásia) e defensor da interpretação mais restrita da letra da lei e dos estatutos federais.

Apesar do currículo carregado do juiz de 49 anos, vários senadores democratas questionaram a sua escolha para o cargo, manifestando sérias reservas quanto à sua “independência” do poder político e económico e à sua “abordagem ideológica à jurisprudência”. Prometem um escrutínio apertado das suas posições pessoais e jurídicas que pode desgastar a sua imagem e arrastar o processo de nomeação, que os republicanos tencionam iniciar dentro de seis semanas.

Os democratas questionam a motivação de Donald Trump para esta escolha e querem saber, na senda das últimas e controversas decisões do Presidente, se o juiz entende como uma das funções do Supremo servir como um contrapoder que trave derivas da Administração.

Frisando que os EUA vivem uma “nova era” política, o líder da minoria democrata no Senado, Chuck Schumer, observou que “compete ao juiz Gorsuch demonstrar a sua capacidade de defender vigorosamente a Constituição dos abusos do poder executivo e proteger os direitos fundamentais vertidos nesse documento”. “Temos muitas dúvidas que cumpra estes critérios”, acrescentou.

Apaziguamento

Para os analistas, a decisão de Trump na Casa Branca tem uma lógica política evidente: o apaziguamento dos republicanos que começavam a dar mostras do seu incómodo com a governação da Casa Branca. A opção por um juiz “convencional” vai ao encontro dos interesses dos intelectuais conservadores, que nunca engoliram o populismo de Donald Trump, e do bloco de cristãos evangélicos, naturalmente desconfiados de um homem casado três vezes e acusado de assédio e agressão sexual. Além disso, muda a narrativa: em vez de tensão, existe agora unidade entre as hostes que apoiam o Presidente.

No Senado, o debate ultrapassou rapidamente a divisão das opiniões sobre os méritos do juiz para se tornar uma discussão sobre o possível recurso à chamada “opção nuclear” por parte dos republicanos, se os democratas ensaiarem uma “campanha obstrucionista” para impedirem a votação do nome de Neil Gorsuch. Essa é uma manobra conhecida como filibuster: o prolongamento do debate em plenário, que só pode ser ultrapassado por 60 votos. “Mitch, go nuclear”, aconselhou o Presidente, Donald Trump, pedindo ao líder da maioria, Mitch McConnell, para forçar uma mudança das regras que permita a aprovação com uma maioria simples de 51 votos.

Os receios dos republicanos justificam-se pela oposição da bancada minoritária às nomeações de vários dos dirigentes escolhidos por Trump para chefiar departamentos governamentais: por exemplo, esta quarta-feira, os democratas faltaram às audiências de confirmação dos nomeados para os departamentos do Tesouro e da Saúde, Steve Mnuchin e Tom Price, que foram aprovados apenas com os votos dos republicanos. 

Além disso, ainda antes de ser anunciado o nome de Neil Gorsuch, os democratas tinham prometido retaliar contra os seus adversários, que se recusaram sequer a receber o juiz indicado por Barack Obama para preencher a vaga aberta com a morte de Scalia, em Fevereiro de 2016. “Este lugar foi roubado pelos republicanos, que agora querem preenchê-lo com uma nomeação ilegítima e radical. Farei tudo ao meu alcance para impedir este assalto ao Supremo”, bradou o senador Jeff Merkley, do Oregon.

Mas a aposta no impasse é uma jogada de alto risco para os dois partidos. Para os senadores democratas que vão a votos em 2018 em estados que agora votaram por Trump, a acção de bloqueio pode prejudicar-lhes a reeleição. O dilema dos republicanos é diferente. Se recorrerem à “opção nuclear”, McConnell abre um precedente que pode penalizar o partido, caso a matemática eleitoral se altere daqui a dois anos e a actual maioria estiver em risco de se desfazer por causa do desempenho do Presidente.

 

Notícia corrigida no dia 2 de Fevereiro. Às 12h28 foi alterada a formulação 10.º circuito do Tribunal de Recursos para 10.ª circunscrição do Tribunal de Recursos. Às 17h39 foi alterado o título para corresponder à informação do lead da notícia.

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