Resposta das autoridades à proposta de 15.000 milhões para malparado deve chegar "rapidamente"
António Esteves, ex-partner da Goldman Sachs, representa um consórcio que quer aplicar 15.000 milhões de euros na compra do crédito malparado que está no balanço dos bancos portugueses, incluíndo o do Novo Banco
António Esteves, com uma carreira feita na banca de investimento, esteve nos últimos anos ligado à Goldman Sachs, onde chegou ao topo (foi partner) e de onde saiu em 2016. Agora, representa um consórcio internacional que diz estar disponível para aplicar 15.000 milhões de euros em Portugal, com uma solução para o crédito malparado dos bancos.
Sobre a proposta que, como noticiou o PÚBLICO, já fez chegar ao Banco de Portugal e ao Governo, espera ter resultados no final de Fevereiro. Em entrevista, António Esteves considera que ainda é cedo para antecipar o impacto da eleição de Trump e argumenta que se a Goldman Sachs está sempre perto do poder é pela qualidade dos seus trabalhadores. Quanto a Durão Barroso, admite que esteve no centro da sua contratação, e defende que o antigo presidente da Comissão Europeia é “um activo em qualquer instituição”.
Representa um consórcio internacional que entregou uma proposta ao Governo e ao Banco de Portugal para resolver a questão do crédito malparado. E já disse que tinha 15 mil milhões disponíveis para investir no sistema financeiro português. Quais são as suas expectativas em relação ao timing da proposta?
[Espero] que as autoridades respondam rapidamente e que até ao final de Fevereiro se consiga chegar a um consenso relativamente a como resolver o tema do malparado.
Pode detalhar os termos da proposta que apresentou?
Não, mas posso dizer que entregámos uma proposta concreta para comprar a totalidade do crédito malparado ao valor inscrito nos balanços, através de uma solução totalmente de mercado e privada, na qual estou a trabalhar com a Deloitte e com a Vieira de Almeida.
Com recurso a garantia pública?
Sim, na parte da subscrição de títulos que o veículo que for criado emitir para financiar a transacção.
Mas não se trata de auxílio estatal proibido por Bruxelas?
Não, a nossa proposta, nos termos em que foi concebida, acomoda precisamente essa exigência.
Como é que olha para o sistema financeiro português?
O tema da CGD era complicado, mas está mais ou menos resolvido, ainda que tenha que haver uma colocação de divida subordinada [mil milhões de euros]. Prevejo que tenha de pagar juros altos [para se financiar], mas antecipo uma história de êxito. O BCP é o único banco privado independente que existe em Portugal e é muito bem gerido pelo Nuno Amado. E está a seguir o seu percurso, com um accionista âncora que vai ser a Fosun. O processo de recapitalização está a ser muito bom para os novos accionistas e muito doloroso para os antigos, mas tinha que ser feito, pelo nível de provisionamento que era necessário. Há o Montepio, a uma escala mais pequena, mas que tem um problema de crédito malparado. Quanto ao BPI e Santander não são temas.
Falta o Novo Banco.
Que é um dossiê complexo. E se me pergunta se [o Novo Banco] vai ser vendido, eu digo que não, e que se vai ter de encontrar uma solução intermédia. O Novo Banco tem uma presença importante no sistema financeiro e na economia. E quando se põe à venda uma entidade desta dimensão, aparecem estes private equities [Lone Star e Apollo] que procuram comprar querendo ter um poder negocial alto, pois acham que têm “a faca e o queijo na mão” e que estão aqui como salvadores. Mas se Portugal tivesse um pouco mais de tempo, o seu poder negocial seria outro. Acho que tem que haver aqui alguma prudência e calma.
Como explica o papel da Goldman Sachs na crise financeira, acusada de várias irregularidades, inclusive, de fraude?
Se formos ver todos os grandes bancos de investimento, como o Deutsch Bank, por exemplo, aparecem associadas a casos. Só que cada vez que há um episódio que envolve a Goldman Sachs ele é projectado de outra maneira. Pergunta: porquê? Não sei. Mas qual é o banco que não teve um episódio?
Hoje falar de banca é falar de um activo tóxico?
Nos últimos anos, desde 2008, houve imensas mudanças no sector, a nível da supervisão, com imensa regulação. A Goldman Sachs tinha, quando eu saí [em 2016], cerca de 33 mil trabalhadores e à volta de 10 mil trabalhavam só para responder aos supervisores. E pergunta-me porque saí? Uma das razões foi esta: quando se lideram equipas muito grandes, em várias jurisdições em todo o mundo, e se alguém da minha cadeia de comando faz alguma coisa contra as regras, eu vou ter de responder, podendo no limite ser despedido e perder todo o património. São as novas regras de supervisão. E começa-se a pesar tudo isto.
Há quem considere que a eleição de Trump é um péssimo sinal para o mundo...
É muito difícil antecipar. Obviamente, o melhor indicador do que vai ser a influência de Trump na economia americana e mundial são os mercados, que estão a responder de forma positiva. Há optimismo, com tensões inflacionistas e o desemprego em níveis muitíssimo baixos. Mas não é um fenómeno Trump, é um fenómeno anterior, pois a política expansionista da era Obama está a dar os seus frutos. E Trump chega com uns grandes títulos: “vou fazer cortes fiscais, grandes investimentos em infra-estruturas, vou aliviar toda a regulação no sistema financeiro”. E gera optimismo. Mas o sistema financeiro já se estava a valorizar. Nada mudou, apenas os multiplicadores aplicados à valorização do mercado accionista aumentaram. Mas acho que ainda é cedo para dizer o que vai fazer especificamente a administração Trump.
Esteve em Davos, onde pela primeira vez apareceu um presidente chinês, e como arauto da globalização. Alguma vez pensou que isso pudesse acontecer?
Os chineses estão preocupados com a política comercial que Trump vai seguir. Mais uma vez, é cedo para dizermos o que vai acontecer. Estando a Europa em situação complicada e complexa e o Japão em situação delicada e difícil, os EUA são cada vez mais preponderantes, nomeadamente ao nível da moeda - o outro refúgio natural de moeda é o franco suíço, mas é pequena e sem condições de influenciar. A economia americana vai ser sempre determinante e o dólar usado cada vez mais globalmente. A China e os chineses investem por ano nos EUA, directa ou indirectamente, entre 500 e 600 biliões de dólares. É brutal. Trump chegou e disse uma série de coisas, mas perante os detalhes é que veremos [o que acontecerá].
E qual vai ser a resposta europeia?
Sem mudanças. O Banco Central Europeu (BCE), que teve nos últimos anos um papel crítico no mapa europeu, tem como primeira missão controlar a inflação e estabilizar os preços. E estamos a falar na âncora dos 2%. Depois do papel muito importante a seguir à crise financeira [de combate à inflação, de estabilização do sistema financeiro], e com a UE a ter algum crescimento, perguntamos qual vai ser o papel do BCE versus o que desempenhou nos últimos 10 anos.
O ministro das Finanças alemão já alertou para a possibilidade de haver uma falta de dinamismo na economia se se mantiver a política do BCE de taxas de juro baixas...
E ouviu a resposta do Draghi? Não vejo nenhuma mudança, o BCE vai manter a sua política expansionista, de comprar dívida e vai mudar de 80 para 60 biliões e continuará a fazê-lo até final de 2018. Durante este período o contexto na UE será de taxas de juro baixas.
E como é que a banca sobrevive?
A banca sobrevive como tem sobrevivido até aqui, se bem que com alguns casos difíceis. Mas não sei se tem este número: desde a crise foi injectado um trilião de euros de capital na banca europeia. Entre privados e estados. É notável.
E chega?
O que é que cria volatilidade no sistema financeiro? São três factores: regulação; litigância/multas; risco político. Se me perguntassem em Janeiro de 2016, se eu antevia o Brexit, a eleição de Trump, e a subida da cotação da Goldman Sachs para 250 dólares (na altura estava a 160 dólares), eu dizia que não. Mas tudo aconteceu. E toda esta volatilidade política afecta o mercado financeiro.
Acredita que a situação está controlada?
Começando pelo risco financeiro europeu que já eliminou os dois primeiros pontos: o tema da litigância está quase fechado com a multa de sete mil milhões ao Deutsch Bank, tal como está, aliás, o tema da regulação. Os alemães estavam reticentes em implementar Basel 4 [regras financeiras de base comuns globais] e procuravam argumentos para se oporem, mas não tinham coragem, pois são os grandes dinamizadores da construção europeia e do sistema financeiro europeu único. E quando Trump apareceu a dizer que não vai castigar mais os bancos americanos, e amolecer as regras, obviamente os alemães e toda a Europa começaram a dizer que era melhor parar com Basel4, sem prazo. E isto veio dar oxigénio aos bancos europeus.
Os reguladores vão deixar de exigir à banca reforços sucessivos de capital?
A Fed e o BCE vão continuar a exigir níveis de capitais adequados, mas que hoje já estão confortáveis em 12% [há seis anos o Tier 1 estava em 4%], apesar das situações específicas, do Monte dei Paschi ou do Veneto Banca e do Novo Banco. Mas o risco de bail-in já não se coloca. Podemos ter alguns episódios em Espanha, mas, no geral, não vejo grandes surpresas. É preciso deixar a rota em que todos os anos é publicado um decreto ou uma directiva a pedir mais 1%, mais 2% [de rácio de capital]. E às tantas rebentam com as instituições.
E qual é o risco político que existe hoje?
Há as eleições na Alemanha, onde vamos ter mais do mesmo, uma coligação com Merkel. Há Itália, onde não antecipo grandes volatilidades. E há França, onde Le Pen será esmagada na segunda volta por Fillon, e vai ter outra vez um governo pró-europeu. Estou confiante que o projecto europeu vai ter força, mas vamos continuar a ter taxas de juros baixas e crescimentos modestos, nomeadamente em França e em Itália.
Como avalia o discurso recente de Theresa May sobre o "Brexit"?
Ficou claríssimo que vão sair da UE a bem ou a mal. Mas saem. As principais directrizes da mensagem são claras. Ao nível do comércio, Theresa May quer um Reino Unido completamente livre e sem estar abrangido pela lei europeia e, portanto, temos um país que não quer estar dentro da UE. Irá buscar acordos bilaterais com a UE e com países fora da UE. Em termos de emigração, disse que a partir de agora esta vai ser controlada. A livre circulação de pessoas deixou de ser uma realidade na Grã-Bretanha. E foi no processo que notei a maior agressividade de Theresa: se não chegar a acordo com a UE, sai.
Como antevê o impacto do "Brexit"?
É mau para a UE, é um precedente péssimo. A Grã-Bretanha era factor de equilíbrio, e pode verificar-se uma maior tensão ou uma maior coesão. Como sou adepto da UE espero que seja a última. Hoje, se for aos EUA ouve banqueiros, como o Jamie Dimon, do JPMorgan, falar da UE como um projecto muito incerto.
Acredita numa UE onde há países a financiar-se a taxas negativas, como a Alemanha, e outros a 4%, como Portugal?
Se Portugal não estivesse na UE financiava-se a dois dígitos. E é importante ter isto presente.