PEC salva Costa por ora, mas ainda lhe pode dar dissabores à esquerda

Primeiro-ministro apresenta-se como vencedor no debate desta sexta-feira, a mostrar que não precisa do PSD. Mas tem uma lição a tirar: nas questões laborais, é melhor ouvir a esquerda primeiro.

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No final do Conselho de Ministros, foi o próprio primeiro-ministro a apresentar a redução do PEC LUSA/TIAGO PETINGA

Em menos de 24 horas, António Costa conseguiu contornar a dificuldade criada pelo chumbo da redução da TSU para os patrões com o anúncio de uma alternativa, para surgir no debate quinzenal desta sexta-feira com pose de vencedor e com créditos sobre a esquerda e a direita. Porém, o BE avisou logo que a proposta do Governo de redução do Pagamento Especial por Conta (PEC) pode “ser melhorada” durante a discussão no Parlamento e isso poderá voltar a criar engulhos no consenso à esquerda.

Apesar de se afirmarem contentes com a decisão do Governo de reduzir o PEC – Pagamento Especial por Conta de 850 para 750 euros em Março e extingui-lo em 2019, bloquistas e comunistas continuam a insistir que o cenário ideal é acabar com ele o mais depressa possível. O PCP, que conseguiu reduzi-lo no orçamento deste ano de mil para 850 euros, vai mesmo entregar uma proposta para que o seu fim seja antecipado para 2018. Entretanto, horas depois da aparição inédita do primeiro-ministro no briefing do Conselho de Ministros para mostrar que resolvera o problema, o CDS revelou o desenho da sua própria proposta, que passa pela redução do PEC para 500 euros em 2018.

O CDS não se quis pronunciar sobre a proposta do Governo e remeteu para a esquerda a responsabilidade de aprovar medidas do executivo. O PSD mantém a estratégia de não servir de muleta ao Governo nos desentendimentos da maioria de esquerda. Muito dificilmente estará a favor da medida, por considerar que é um “fraco remendo” à redução da TSU, como disse à Lusa fonte da direcção da bancada social-democrata. O PSD preferia a diminuição do IRC, que foi também proposta pelo CDS. Os centristas sugeriram ainda a manutenção da redução da TSU em 0,75 pontos (que está em vigor até dia 31 deste mês) e o acréscimo de 2% na comparticipação financeira às instituições de solidariedade social.

O Presidente da República também já deu o seu apoio à decisão do Governo. “Esta adenda permite manter vivo o acordo de Concertação Social”, uma vez que os parceiros “subscrevem esta substituição [da TSU pelo PEC]”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, que prometeu ser célere na promulgação do diploma, depois de ele passar pelo Parlamento onde, salientou, tem “garantida a aprovação”.

Maioria não abanou

Apesar das discussões acesas do debate da TSU e do problema levantado ao Governo com o seu chumbo, à esquerda defende-se que o caso não fez mossa. O bloquista Pedro Filipe Soares diz mesmo que os quatro partidos (PS, BE, PCP e PEV) “até ficaram mais fortes”, assim como a sua relação. “O Bloco está firme na maioria parlamentar”, vinca o deputado, recordando que a discussão os fez relembrar “como esta maioria foi criada, com que objectivos e com que valores — e esses foram defendidos aqui no Parlamento”.

Mais cauteloso, o PCP diz que a esquerda não sai reforçada nem fragilizada apesar da votação que isolou o PS — essa perspectiva de “bom ou mau” advém do facto de o PSD achar que há uma coligação de esquerda, argumenta o líder parlamentar comunista. “A única vitória foi para os trabalhadores”, diz João Oliveira, que acrescenta a “derrota do PSD por ter apostado que a esquerda havia de sofrer um prejuízo irremediável — que não aconteceu”.

O deputado admite, no entanto, que o Governo tem algumas “lições políticas” a tirar do caso TSU: “Em matéria de política laboral tem de ouvir mais os partidos que o apoiam e se optar por escolhas que melhorem a vida dos trabalhadores sabe que tem no Parlamento apoio para essas medidas. Se não… acontece isto.” Outra lição é que “não pode pôr a Concertação Social a decidir a legislação laboral, como fizeram PSD e CDS. O aumento do salário mínimo é decisão do Governo ou da Assembleia da República; a Concertação é um órgão consultivo e não de decisão.”

Heloísa Apolónia, dos Verdes, a primeira a admitir a possibilidade de chamar a TSU ao Parlamento, recusa balanços, não quer “dar lições a ninguém”, e diz que “cada um dever fazer a leitura que entender” — incluindo o Governo. Mas a TSU mostrou que os três partidos “não são caixa de ressonância” do PS ou do Governo, que as “divergências e posições de princípio de cada um são para serem assumidas” e isso é um sinal de “maturidade democrática”. Ao encontrar uma solução, o Governo “provou que quando faz um esforço de convergência os resultados são mais positivos para todos e escusamos de passar por algumas discussões que não fazem sentido”, diz a deputada ecologista.

Para o socialista João Galamba não faz sentido falar em vitória ou derrota para o Governo e para a maioria de esquerda ou em reforço ou enfraquecimento das relações do PS com BE, PCP ou PEV por causa da TSU. “Se o Bloco ou o PCP tivessem mudado de opinião, isso significava que havia parceiros da maioria nos quais não é possível confiar. Mas não foi o caso. Adoptaram a mesma posição clarinha que tiveram em 2016. O PSD é que mudou de opinião de forma pornográfica e deixou de se bater por causas em que acreditava”, disse o deputado. “A questão da TSU não envolve o PS e a esquerda; envolve o PS e o PSD.” Para esta sexta-feira, espera de Costa um “desempenho francamente positivo e que deixe pouca margem à oposição para ter um discurso consistente”.

O debate quinzenal é aberto pelo PS, que escolheu como tema as questões económicas e sociais, assuntos que todos os partidos dizem querer abordar. António Costa poderá entrar de sorriso aberto no debate, para mostrar ao PSD que já ultrapassou as dificuldades que o seu voto lhe causou, e para patentear a boa relação que, apesar de tudo, mantém com os partidos à sua esquerda. Mas haverá decerto preocupações dentro da sua cabeça.

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