México, o primeiro país a sentir a doutrina Trump

A política de Washington ameça a economia do vizinho do Sul, que avisa que o NAFTA pode estar em risco. O país uniu-se para fortalecer Peña Nieto, que era até há poucos dias um Presidente impopular.

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Enrique Peña Nieto tem batido recordes de impopularidade a nível interno Reuters/EDGARD GARRIDO

O México prepara-se para ser um dos primeiros países a sentir os efeitos práticos da doutrina “América primeiro” enunciada pelo recém-empossado Presidente dos EUA, Donald Trump. A renegociação do acordo regional de comércio livre promete ser uma dura batalha que pode terminar com o isolamento dos dois vizinhos e aliados e uma degradação histórica das suas relações.

Depois de ter confirmado o óbito da parceria transpacífico, conhecida como TPP, as atenções da nova Administração norte-americana concentram-se no Tratado de Comércio Livre da América do Norte (NAFTA, na sigla inglesa). Ao contrário do TPP, que ainda estava por ratificar, Donald Trump não propõe acabar com o NAFTA, falando antes de uma “renegociação” do acordo assinado em 1994 pelos EUA, Canadá e México.

Os contornos desta revisão do NAFTA podem ter um efeito devastador na economia mexicana – cerca de 80% das suas exportações têm os EUA como destino. Em Washington, dão-se esta semana os primeiros encontros entre delegações dos dois países. Os ministros da Economia, Ildefonso Guajardo, e dos Negócios Estrangeiros, Luis Videgaray, vão reunir quinta e sexta-feira com o chefe de gabinete de Trump, Reince Priebus, com o conselheiro presidencial para o comércio, Peter Navarro, e com Jared Kushner, genro e um dos conselheiros mais próximos do Presidente. A 31 de Janeiro, será a vez de Trump receber o seu homólogo, Enrique Peña Nieto.

A posição negocial do México não é fácil, algo que ficou provado pela postura do Canadá, que nesta fase se tem descartado de negociações tripartidas. Fontes governamentais disseram esta semana à Reuters que Otava está já a ponderar a negociação de um futuro acordo bilateral com os EUA. “As nossas posições negociais são totalmente diferentes. O México está agarrado pelos pés a uma janela de um arranha-céus, está numa situação terrível. Nós não”, disse uma das fontes.

Apesar de a dependência ser semelhante em termos estatísticos – os EUA representam mais de 70% das exportações canadianas – a sua economia é mais diversificada que a mexicana e, por isso, mais resistente a choques deste género. Para além disso, é pouco provável que Trump deseje alterar de forma substancial as relações com o vizinho do Norte, uma vez que a balança comercial com o Canadá (défice de nove mil milhões de dólares em 2016) é menos desequilibrada do que a do México (défice de 58 mil milhões).

Por tudo isto, o México tem-se mostrado disposto a ser tão agressivo como o outro lado, acenando com o abandono do NAFTA, caso as negociações prejudiquem o país. “Não vamos aceitar qualquer negociação do Tratado de Comércio Livre”, garantiu Videgaray, durante um discurso no Senado antes de viajar para Washington. “Existe sempre a possibilidade de abandonar o tratado e, então, regular o comércio [com os EUA e o Canadá] a partir das regras da Organização Mundial do Comércio”, acrescentou o chefe da diplomacia mexicana.

Para já, continua a predominar uma sombra de incerteza sobre que tipo de acordo pode vir a ser alcançado sem por em causa os princípios do comércio livre. Trump chegou a ameaçar impor uma taxa de 35% aos produtos provenientes do México fabricados por empresas norte-americanas ou estrangeiras, como por exemplo construtoras automóveis, mas não foram dados muitos mais pormenores.

Várias fontes oficiais têm apontado para a possível revisão da cláusula do NAFTA sobre as “regras de origem” – que definem se um certo produto pode ser identificado como fabricado num Estado-membro ou não. Por exemplo, para que um automóvel montado no México possa entrar nos EUA sem pagar taxas aduaneiras, pelo menos 62,5% das suas peças devem ser provenientes de países signatários do NAFTA. Esta cláusula poderá fornecer um campo comum para que os três países cheguem a um acordo para subir o limiar a partir do qual um produto possa ter certificado de origem regional, escreve a Reuters.

A nível interno, Peña Nieto bate recordes de impopularidade e a recente subida dos preços dos combustíveis – recebida com protestos violentos em várias partes do país – colocou-o numa posição que parecia insustentável. Ao mesmo tempo, o valor do peso tem caído face ao dólar e a inflação não tem parado de subir. Mas, perante as ameaças de Trump, o futuro das relações económicas – e também diplomáticas – com os EUA ascendeu à categoria de desígnio nacional.

Andrés Obrador, ex-candidato presidencial e uma das principais vozes da oposição, apelou esta semana à união dos vários sectores da sociedade mexicana em torno dos esforços do Governo junto da nova Administração norte-americana. “Independentemente das diferenças que possam existir, estes são momentos de unidade”, disse Obrador.

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