Mais de cem jovens com menos de 25 anos mudaram de sexo no registo civil
Desde Março de 2011, 109 jovens entre os 18 e os 24 anos alteraram o género que consta dos seus documentos. Propostas do Governo, do BE e do PAN prevêem descida de idade legal para os 16 anos.
Há cada vez mais jovens a ir à conservatória do registo civil requerer uma alteração de nome próprio e menção a sexo. Desde que a Lei da Identidade de Género entrou em vigor, em Março de 2011,109 pessoas fizeram-no antes de completar os 25 anos. Há duas propostas na Assembleia da República e outra a caminho para baixar a idade legal exigida dos 18 para os 16 anos.
Os dados fornecidos pelo Ministério da Justiça, que tutela o Instituto dos Registos e Notariado, revelam a tendência: houve 79 alterações de registo em 2011; 44 em 2012; 49 em 2013; 45 em 2014; 72 em 2015. Em 2016 foram 86, o maior número de sempre. Lisboa é o concelho com mais casos. Segue-se o Porto. No total, foram 375 as pessoas que mudaram de sexo nos seus documentos de identificação.
No início, apareceram mais pessoas mais velhas, que já viviam de acordo com o seu género, explica Zélia Figueiredo, médica psiquiatra responsável pela consulta de sexologia no Hospital Magalhães Lemos, no Porto, e dirigente da Jano — Associação de Apoio a Pessoas com Disforia de Género. Muitos nunca se tinham submetido a cirurgias de reatribuição sexual. Não passariam, por isso, pelo crivo dos tribunais, que antes tinham o poder de decidir quem podia alterar os seus documentos.
Em 2011, primeiro ano da nova lei, que não exige nem processo de tratamento hormonal, nem cirurgias de reatribuição de sexo, avançaram 17 pessoas com mais de 50 anos, três das quais com mais de 70. Nos anos seguintes, foram muito menos. Ao mesmo tempo, foi aumentando o número de menores de 25 anos: cinco em 2011; cinco em 2012; nove em 2013; 22 em 2014; 32 em 2015; 36 em 2016.
“Aparecem cada vez mais jovens na consulta”, garante aquela médica. Conseguem, hoje, com maior facilidade, entender o que se passa, encontrar ajuda. “Tenho vários que ainda não fizeram 18 anos. Vêm, ainda com os pais, e estão à espera de atingir a idade legal para pedir a alteração de registo.”
É uma realidade com visibilidade crescente, nota Nuno Pinto, investigador do ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa e dirigente da Ilga Portugal. Nos últimos anos, foi alvo de reportagens e documentários, entrou no universo de talk shows e reality shows, tornou-se motivo de conversas em grupos fechados no Facebook. E houve novas iniciativas legais já depois de publicada a Lei da Identidade de Género: em 2012, o Código Penal passou a prever um agravamento das penas para crimes de ódio contra pessoas transgénero e em 2015 o Código do Trabalho proibiu a sua discriminação.
Mudar o nome nos registos escolares
Os três projectos — o do BE e o do PAN, que já se encontram no Parlamento, e o do Governo, que deverá dar entrada em Março, após aprovação em Conselho de Ministros — defendem que a idade legal para alterar o nome próprio e a menção ao sexo nos documentos de identificação deve baixar dos 18 para os 16 anos. Quer a proposta do Governo, quer a do BE prevêem que ainda antes dessa idade seja possível mudar o nome e o género nos registos escolares.
O ministro-adjunto Eduardo Cabrita adiantou na terça-feira alguns detalhes na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, na Assembleia da República, da proposta que está a ser ultimada. Será feito um trabalho com a comunidade educativa para que a opção da criança “seja devidamente acompanhada e reconhecida”, disse, citado pela Lusa.
“Nós gostávamos que não houvesse limite de idade para alterar o registo”, diz Margarida Faria, presidente da Amplos — a Associação de Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual e Identidade de Género. “Há pessoas ‘trans’ menores de idade, e até crianças, que sabem, que têm perfeita noção da sua identidade de facto. Algumas sabem aos quatro anos”, afirma.
Em Novembro do ano passado, a Amplos entregou ao Ministério da Educação uma proposta nesse sentido. Nesse documento, defende que se criem procedimentos uniformes para permitir que as crianças possam usar em ambiente escolar o nome ajustado à sua identidade de género.