Macron, Valls ou Montebourg: um deles poderá salvar ou enterrar o PS francês
Há três políticos mais bem colocados para ganhar as primárias da esquerda em França. Mas Emmanuel Macron, que não está nesta competição, pode vir a ser o adversário mais forte, e até o verdadeiro vencedor desta disputa.
É uma corrida aberta, em que três socialistas podem ganhar. Só que seja qual for o vencedor das primárias para escolher o candidato da esquerda às eleições presidenciais francesas de Abril, parece condenado à irrelevância de um quinto lugar, bem distante da possibilidade de conquistar o Palácio do Eliseu.
As sondagens foram dando Manuel Valls como favorito para ganhar a primeira volta das primárias, que se realiza neste domingo – a segunda será daqui a uma semana. Mas Valls carrega o seu peso de ter sido primeiro-ministro até 6 de Dezembro, e tem vindo a perder ritmo. Benoît Hamon, ex-ministro da Educação, da ala mais à esquerda do Partido Socialista, é quem tem ganho maior embalo, porque introduziu na campanha um tema que todos foram obrigados a discutir: criar um rendimento universal.
O ex-ministro da Economia e Indústria, Arnaud Montebourg, completa o trio dos candidatos mais fortes, entre os sete concorrentes (há três que são exteriores do Partido Socialista). Fazem todos parte da mesma geração – 40, 50 anos – e foram apoiantes de Ségolène Royal, a candidata socialista batida por Nicolas Sarkozy nas presidenciais de 2007.
Houve um efeito na campanha de “tudo menos Valls”, porque é obrigado a defender o seu desempenho como primeiro-ministro, e está colado ao que foi o mandato do impopular Presidente François Hollande. Os temas de segurança, o terrorismo, as tensões com a população muçulmana, o Código do Trabalho, o desemprego recusam-se a abandoná-lo – e ele não os renega.
Embora Manuel Valls seja aquele que os eleitores consideram que tem mais “estofo de Presidente”, é também o que acham “mais frio”, o que desperta mais hostilidade. Já teve vários incidentes – a bofetada de um jovem militante regionalista na Bretanha foi apenas a última, mas mais humilhante.
À espera de Godot
Arnaud Montebourg foi um popular ministro da Indústria e da Economia – popular porque defendia o made in France, era um apóstolo da antiglobalização. Fez o inédito de levar croissants para os trabalhadores da siderurgia de Florange, comprada pelo gigante Mittal que depois quis revendê-la ao Estado francês, que há vários dias acampavam frente ao seu gabinete, em Paris. As suas ideias falham agora, no entanto, no factor surpresa – tem estagnado nas sondagens.
Isso não quer dizer que fuja da polémica. Se for Presidente, promete fazer crescer os investimentos públicos e não vai manter o défice abaixo de 3% do PIB, como exigem as regras da União Europeia. Por exemplo, diz que vai aumentar o Orçamento da Cultura em 15 a 20%. “O meu programa não é aumentar os défices, mas antes uma trajectória em que se vai aceitar uma pequena ultrapassagem dos 3% para depois regressar à normalidade abaixo dos 3%”, disse ao Libération. “Não se fica à espera do crescimento como quem espera Godot!”
Mas estas ideias não são inesperadas, vindas de Montebourg. As maiores novidades vieram de Benoît Hamon, com o seu programa que colheu inspiração em Bernie Sanders [o candidato que perdeu as primárias democratas nos Estados Unidos para Hillary Clinton]”, ou Jeremy Corbyn, o líder trabalhista britânico.
Tornou-se uma surpresa na campanha – aliás, não se esperava sequer a sua candidatura, seria mais natural que apoiasse a de Montebourg, com o qual saiu do Governo, em 2014, tornando-se um dos insurrectos do PS francês. “Dizem-me que não sou presidenciável. Mais reivindico-o. Sou contra essa ideia dos homens providenciais”, afirmou o ex-ministro da Educação no discurso de encerramento da sua campanha em Paris, esta semana.
Alguns media falam nele como um possível “Fillon de esquerda”, avançando a possibilidade de um vencedor surpresa nestas primárias, tal como nas do centro-direita, em Novembro, quando François Fillon bateu Alain Juppé, que foi o favorito nas sondagens durante largos meses.
Hamon está à frente nas categorias de "mais simpático”, o que “quer mesmo mudar as coisas”, e “compreende os problemas reais das pessoas”, segundo um estudo realizado pelo Cevipof-Centro de Investigação Política da Sciences Po/Ipsos e divulgado quinta-feira pelo Le Monde.
Hamon lançou a ideia de criar um rendimento universal em França no valor de 750 euros – que ele diz que teria de ser aplicado de forma progressiva, a começar pelos jovens e pelas mulheres. Defende que a medida custaria 300 mil milhões de euros, embora os rivais estimem que se aproximaria mais dos 400 mil milhões.
Todos os outros candidatos se uniram contra a ideia de rendimento único de Hamon. “Essa medida custará 400 mil milhões de euros, ou seja, um quarto do PIB. Seria preciso aumentar em 50% os impostos de todos os franceses. Não sei como seria possível…”, disse Montebourg ao Libération. Valls fala nos compromissos europeus de França, para sublinhar quão cara seria esta medida: “Está fora de questão deixar derrapar o défice”.
O momento de Macron
Talvez depois de escolher definitivamente o seu candidato, a 29 de Janeiro, a esquerda ganhe um novo fôlego. Mas, por ora, poucos eleitores olham para Arnaud Montebourg ou Benoît Hamon como possibilidades de voto nas presidenciais de Abril (cerca de 7%) ou Manuel Valls (9%-10%), segundo a sondagem Cevipof.
Também pode acontecer que, se ganhar um dos candidatos mais à esquerda, a direita do PS francês acabe a apoiar Emmanuel Macron, o ministro da Economia que se demitiu do Governo de Valls e a quem as sondagens dão até 20% das intenções de voto nas presidenciais. “É possível que a certa altura a barragem se rompa e comece a hemorragia do PS para Macron”, disse à Reuters Jerome Sainte-Marie, director da empresa de sondagens Polling Vox.
Para Macron, um independente, é um momento decisivo.
Para começar, Macron atrai os centristas: 44% dos eleitores do MoDem (Movimento Democrático, o partido centrista de François Bayrou) dizem-se dispostos a votar por ele. François Bayrou, líder do partido, desencantado com o resultado das primárias do centro-direita – Alain Juppé, o candidato que apoiava, foi derrotado – está a ponderar se se candidata às presidenciais mais uma vez ou não, e é possível que venha mesmo a apoiar Macron, com os 5% que representa. A liderança de outro pequeno partido centrista, a UDI, apoiou François Fillon, mas as fileiras juvenis revoltaram-se e juntaram-se a Macron.
Claro que há ainda outra possibilidade: se o escolhido for Valls, a ala mais à esquerda do PS pode juntar-se a Jean-Luc Mélenchon, que se candidata apoiado por uma série de formações da extrema-esquerda e também dos comunistas, e a quem as sondagens dão pelo menos 13% de intenções de voto.