Gozar com a estética Trump não é solução

Enquanto esteve confinado aos negócios ou aos programas de TV existia muita gente que até lhe achava graça. Agora temem-no.

A estrutura capilar, de forma geométrica instável, amparada por laca, as gravatas coloridas, os ombros exageradamente largos dos casacos, como se tivessem sido comprados ao engano quando sabemos que custaram um dinheirão, fazem parte do seu estilo. Falamos de Donald Trump, claro. A partir desta sexta-feira, o novo presidente dos Estados Unidos da América.

Para muitos ele é a prova de que o dinheiro não compra bom gosto. É uma catástrofe estética. Mas também existe quem considere que a forma como gere as críticas à roupa ou à postura revelam uma forma autêntica de estar. No último fim-de-semana, Christopher Caldwell, no Financial Times, interrogava-se sobre qual seria o impacto dos seus gostos e que consequências culturais poderiam advir de ser respeitado, não apenas porque é rico, mas porque é rico e parece fazer o que lhe dá na real gana.

Os novos presidentes americanos têm impacto na forma como a América se olha a si própria e se projecta no mundo. Obama era elegante, refinado e tinha universo. Ainda há dias ficámos a saber da importância que os livros tiveram na forma como abordou a Presidência. Com ele o hip-hop e o R&B tornaram-se na maior referência da indústria da música, e Beyoncé e Jay Z a personificação dessa realeza. Toda a gente da música ou do cinema – de Springsteen a De Niro – queria estar à volta dele.

Trump desperta o oposto. Não é apenas nas ideias políticas que parece ser o inverso de Obama. Na ética também. E na estética. Os criadores de moda não querem associar o seu nome ao dele e a sua equipa não conseguiu encontrar um único músico com visibilidade que quisesse tocar na tomada de posse. Ao seu lado tem apenas Steven Seagal, ou músicos como Ted Nugent e Kid Rock, mais conhecido pelo breve casamento com Pamela Anderson do que pelas qualidades artísticas.

Mas afinal do que gosta Trump? Casinos, apesar dos seus parecerem fora de moda. De hotéis, os seus têm fama de serem bons, apesar da decoração sempre pomposa. De reality shows, que experimentou, e de concursos de misses, dos quais comprou os direitos de transmissão. Do Twitter. De desportos como golfe e futebol americano, sendo adepto dos New York Jets e admirador de Tom Brady, o quarterback casado com a modelo Gisele Bundchen. De bifes e vinhos, de preferência sem exercício físico depois. Do mundo extravagante de celebridades como as Kardashians e Kanye West. E de Nova Iorque, pelo menos construiu uma torre no coração de Manatthan e vive no topo.

Mas Nova Iorque não lhe retribui. Para a Manatthan ou a Brooklyn mais polida, como para outras cidades cosmopolitas, ele constitui um embaraço. E no entanto é como se aquilo que uma fatia considerável do mundo considera ser o seu mau gosto fosse libertador para uma outra fatia desse mesmo mundo. Para ele não parecem existir prazeres com sentimento de culpa. Enquanto esteve confinado aos negócios ou aos programas de TV existia muita gente que até lhe achava graça. Agora temem-no.

É como se as suas palavras apelassem aos ressentimentos até aí controlados. Não é líquido que os seus apoiantes se revejam nos insultos raciais e sexistas, embora talvez se possa dizer que a classe média trabalhadora mais fragilizada, vendo-se fora da lógica sistémica, sem vislumbre de futuro, se sentiu esquecida pelos que se congregam facilmente à volta das lutas motivadas por género, cor ou origem – por mais justas que sejam –, mas que parecem ter mais dificuldades em integrar a nova luta de classes entre as preocupações centrais.

Na semana passada Meryl Streep, falando para a elite de Hollywood nos Globos de Ouro, teceu-lhe críticas veladas, num discurso brilhante que se tornou viral. A questão é que falou para os convertidos. É preciso não esquecer que ele capitalizou com o discurso de que os privilegiados não compreendiam as dificuldades vividas pelo cidadão comum e quem se revê na sua narrativa naturalmente olha para Hollywood com desconfiança.

Gostar ou não daquilo que ele pode representar é uma forma de dizermos que pertencemos a um lado da barricada e não queremos pertencer a outra, o que é legítimo. Mas atacá-lo nos seus gostos e gestos, pode ser vivido também como afronta por quem se espelha nele. Podemos não nos reconhecer na forma como se encena e criticá-lo, mas não se perde nada em ouvir quem se revê nessa encenação e perceber porque é que isso acontece. A interpretação da vida social já não é realizada apenas por uma elite para uma massa de outros. Essa relação hierárquica desvaneceu-se. Trump percebeu-o bem.

Aos olhos de muitos personifica aquilo com que preferiam não ter de lidar, mas a realidade que ele afecta é bem real e está aí. Podemos não nos identificar com ela e desejar transformá-la. Mas para isso acontecer teremos de nos relacionar com esse universo que agora delega.Trump é uma ameaça. Ninguém precisa de se projectar mais pela estética do que um populista. Mas é preciso não esquecer os que olham para ele com admiração. São esses que têm de ser compreendidos, integrados e não gozados. Foram eles que o puseram na Casa Branca. E são eles que o podem tirar de lá.

 

 

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