Eugene Cernan: "Voltava ao espaço já amanhã"

Republicação da entrevista ao PÚBLICO, em 2001, do último astronauta a pisar a Lusa. Eugene Cernan morreu nesta segunda-feira aos 82 anos.

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Eugene Cernan na Lua Reuters/NASA

Eugene Cernan foi o último homem a pisar a Lua. Foi no dia 13 de Dezembro de 1972 que, enquanto comandante da Apolo 17, a última das missões tripuladas ao satélite natural da Terra, sacudiu a poeira lunar do seu fato de astronauta para entrar no módulo de alunagem Challenger para voltar para o planeta azul que enche o horizonte quando se está na Lua. Para a despedida, ele e Jack Schmitt saltaram como cangurus e fizeram de conta que esquiavam, aproveitando a reduzida gravidade da Lua, conta o astronauta no livro The Last Man on the Moon" (O Último Homem na Lua), publicado pela St. Martin´s Press em 1999. Agora, aos 67 anos, Gene Cernan - como é mais conhecido - voltava ao espaço já amanhã, se isso fosse possível. Mas era para ir outra vez à Lua, não para passar seis meses trancado numa plataforma orbital, pertinho da Terra. É preciso voltar a conquistar as pessoas para o espaço, tornando o projecto da Estação Espacial Internacional mais interessante. Por que não permitir que adolescentes a visitem, no fim do ensino secundário, propôs ao PÚBLICO ontem, numa passagem por Lisboa a caminho da República Checa - o país onde nasceram os seus pais -, a convite do Presidente Vaclav Havel.

Gosta de ser apresentado como o último homem que esteve na Lua?
É o que as pessoas me chamam.

Mas não parece muito entusiasmado com o título...
É que o facto de ser assim conhecido dá-me a dimensão de tudo o que não fizemos neste tempo todo.

E por que é que nunca mais voltámos à Lua?
Bom, há várias razões. A principal tem a ver com a direcção que tomou o programa espacial norte-americano, que se concentrou no desenvolvimento do vaivém. Agora virámo-nos para a construção da Estação Espacial Internacional - deixámos de fazer exploração espacial, ficámos só aqui nas redondezas da Terra. Mas nada disto entusiasma as pessoas.

Embora estejamos a fazer coisas úteis, para mobilizar o interesse da comunidade internacional há que fazer algo mais. Os miúdos gostam de ver o lançamento do vaivém, muitos gostariam de ir ao espaço, mas a estação não entusiasma ninguém. As pessoas não sabem o que se está a passar. E não se vão interessar nunca, a não ser que aconteça qualquer coisa verdadeiramente significativa, como a descoberta da cura para o cancro a bordo da estação espacial. Mas, se houvesse um novo programa de exploração da Lua, ou de viagens tripuladas a Marte, haveria muito mais gente interessada pelo espaço em todo o mundo.

Mas a Estação Espacial Internacional é a única coisa que existe. Portanto, a pergunta é: como é que a podemos tornar mais interessante? Como é que a podemos tornar mais útil?
Tenho andado a dizer isto nos últimos dois anos: se pudemos pôr em órbita um homem de 77 anos - John Glenn - por que é que não pudemos mandar para o espaço um miúdo de 17 anos? Por que não ter um programa para finalistas do ensino secundário, que permita a rapazes e raparigas de todo o mundo concorrer para ir até à estação espacial, e fazer lá experiências inventadas por eles? Não era preciso serem só coisas de matemática e ciência, podiam ser projectos de literatura, arte, astronomia...

Por que é que não mandamos um todos os meses, ou a cada dois meses? Estamos sempre a dizer que os adolescentes precisam de heróis. Assim podem ter os seus próprios heróis, podem interagir com outros jovens de vários países, envolver os pais, os avós, os tios nos seus projectos. A estação espacial podia transformar-se num instrumento educativo, em vez de servir apenas para fazer investigação científica.

Havemos de ir a Marte, mas no mínimo apenas na próxima geração. Mas os miúdos que sonham ir ao espaço não têm de esperar até terem 35 ou 40 anos. Podemos abrir as portas para que alguns fiquem a bordo da estação durante duas ou três semanas. Gostava muito de ver isto acontecer.

E como é tem sido recebida esta proposta?
Muito bem. Congressistas [membros do Parlamento dos EUA] com quem falei reagiram bem, o administrador da NASA também, mas nunca mais me disse nada. Será preciso que as pessoas se mobilizem para que isto venha a acontecer.

Mas o projecto da estação está em perigo, por causa dos cortes no orçamento da NASA. Em vez de seis astronautas, só poderá ter três, o que significa que pouca ciência se poderá fazer a bordo. A tripulação estará demasiado ocupada com tarefas de manutenção...
O problema com os cortes orçamentais é que não vai ser possível fazer outro veículo para saída da estação numa situação de emergência. Assim, não podem estar lá mais de três pessoas [a lotação da nave Soiuz russa, que está lá acoplada permanentemente]. Claro que temos de resolver este problema, mas há pessoas que estão a trabalhar nisso. A estação só se tornará útil se tiver uma tripulação de seis pessoas. Ponto final. Senão, os astronautas não passarão de contínuos espaciais. Gastarão uns 80 por cento do seu tempo em tarefas da manutenção essenciais para manter a estação a funcionar.

E o turismo espacial, parece-lhe uma coisa boa?
Acho que a viagem daquele tipo, o Dennis Tito, foi um erro. Pagou 20 milhões de dólares [22,4 milhões de euros ou4,5 milhões de contos] para ir lá acima [à Estação Espacial Internacional] e não fazer nada. Mais valia ter construído uma montanha-russa!

De certa forma, o turismo espacial pode arrancar com estas viagens de estudantes, que até iriam para o espaço com um objectivo, o de fazer as suas experiências, O.K.? O turismo orbital vai arrancar, talvez dentro de uma década. Há várias empresas e pessoas interessadas - é claro que vai ser caro, mas quem apanha hoje um avião para ir ao outro lado do mundo também têm de pagar bem. À medida que se tornar mais comum, o turismo espacial vai ser mais barato. Quando o Titanic se lançou ao mar, só algumas pessoas é que tinham dinheiro para pagar o bilhete. No espaço vai ser o mesmo.

As primeiras viagens vão ser de dois ou três dias, mas a Lua pode ser um destino turístico: por exemplo, podia-se mostrar a marca da bota do Neil Armstrong, que foi primeira pegada que um homem fez noutro planeta. Podem mostrar aos turistas o carrinho lunar que o Gene Cernan usou há 50 anos! Tudo isto não é já para amanhã, mas não vai demorar muito. E, entretanto, temos de organizar um programa para regressar à Lua, nem que seja só para a usar como uma paragem no caminho para Marte - onde não podemos deixar de ir.

Acredita que em breve iremos a Marte?
Havemos de lá ir no prazo de uma geração - dentro de 18, 20, 25 anos, não sei bem como contar o tempo. Mas podemos dizer que neste momento andam na escola os primeiros astronautas que irão a Marte. É a previsão mais realista que consigo fazer.

Quando fala da necessidade de interessar as pessoas pelo espaço, lembro-me da forma como descreve, no seu livro, o entusiasmo quase infantil do único cientista que foi à Lua - Jack Schmitt, que desceu lá consigo. Por outro lado, percebe-se que os outros astronautas do programa Apolo, todos aviadores, viam Schmitt como uma espécie de extraterrestre... Acha que deviam ter ido mais cientistas à Lua?
Foi um desafio. Treinámo-lo, ele era um cientista, não percebia nada de aviões. Não se tornou um grande piloto, mas ficou a perceber o indispensável para descer no módulo lunar. Não podíamos reservar um lugar extra para um passageiro, por isso cada um de nós tinha de ser geólogo, técnico, engenheiro, de tudo um pouco ao mesmo tempo. Eu sou piloto de aviões de profissão e engenheiro de formação, mas tive de aprender um pouco de geologia para o ajudar, e ele também teve de aprender algo daquilo que eu sabia. Como só podíamos passar três dias na superfície da Lua, seria injusto enviar apenas um cientista, porque havia tanta coisa para fazer que ele quase não poderia fazer investigação nenhuma. Mas a nossa equipa funcionou muito bem.

Quando estava a partir, pensava que a humanidade ia abandonar a Lua durante tanto tempo?
Não. Pensava que íamos levar pelo menos uma década a regressar, mas também imaginava que estaríamos em Marte na viragem do século - afinal, ainda faltavam 28 anos! Mas, afinal, já se passaram 29 anos e ainda não voltámos à Lua.

Gostava de voltar ao espaço?
Claro. Ia já amanhã, se possível. Mas para passar seis meses numa estação espacial? Não. Para esse peditório eu já dei. Se pudesse regressar à Lua, ia já. É como regressar a um sítio especial onde estivemos na juventude, ou há 20 ou 30 anos. Os sítios da Lua onde estivemos estavam como que congelados no tempo há muito, muito tempo antes de lá chegarmos, e depois disso nada deve ter mudado. Ainda lá devem estar as minhas pegadas, o nosso carrinho e as garrafas de oxigénio que lá deixámos - tenho a certeza que se esvaziaram entretanto - e a bandeira americana, que pode ter amarelecido um bocadinho, mas só isso. A não ser que lá tenha estado alguém entretanto, sem nós sabermos.

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