Por que é que as orcas têm menopausa? É uma questão de conflito entre mães e filhas
Além dos seres humanos, há mais duas espécies de mamíferos que têm menopausa: as orcas e as baleias-piloto. Agora um novo estudo revela que há semelhanças entre a menopausa das orcas e das mulheres.
As orcas são conhecidas, muitas vezes, como animais ferozes que desencadeiam conflitos com outros animais para se alimentarem. Mas a fama pode ser enganadora. Descobriu-se agora que foi para evitar um conflito interno, nomeadamente entre mães e filhas, e para garantir a própria sobrevivência da espécie, que surgiu a menopausa nas orcas. Os resultados do estudo estão na revista Current Biology desta quinta-feira.
Pelas águas de todos os oceanos, grupos de orcas assomam-se à superfície. Não será difícil encontrá-las, pois são o segundo mamífero que ocupa uma maior área geográfica, a seguir aos seres humanos. Sejamos então mais específicos: no Pacífico Noroeste, em frente estado norte-americano de Washington e à província canadiana da Columbia Britânica, há grupos de orcas(Orcinus orca) que lutam pela sua sobrevivência. Andam a rondar para ver se conseguem caçar as suas presas preferidas, os salmões. Também comem atum, arenque e chegam até a atacar baleias e, ao fim do dia, podem ter comido cerca de 220 quilos de alimentos. Além disso, são cetáceos que comem outros cetáceos de vez em quando, o que lhes valeu a fama de assassinas.
De vez em quando, com saltos acrobáticos, lá se vai percebendo a sua envergadura. De dorso negro e zona ventral branca, este animal pode chegar às nove toneladas, a sua barbatana dorsal pode alcançar 1,80 metros de altura. Os machos podem alcançar dez metros de comprimento e as fêmeas 8,50 metros.
Centremo-nos agora nas fêmeas. São elas que comandam as “tropas” de orcas que rondam os oceanos. São as mais velhas que lideram grupos com cerca de nove orcas, levando estes animais a ter uma linha matriarcal.
As orcas vivem muitos anos e a sua reprodução começa e acaba cedo. As fêmeas começam a reproduzir-se aos 15 anos e por volta dos seus 30 ou 40 a reprodução pára e elas entram na menopausa. Mas a sua vida ainda vai ser longa, podendo viver até aos 90 anos.
Num outro trabalho publicado também na revista Current Biology, em 2015, um grupo de cientistas apontou três motivos para a importância da menopausa nas orcas. Primeiro, as fêmeas mais velhas lideram os grupos que caçam os salmões. Depois, a liderança das orcas anciãs é decisiva nos anos em que as caçadas de salmões são escassas. Por fim, orientam as suas filhas quando elas estão a ter filhos. Ou seja, há um instinto de sobrevivência associado à pausa reprodutiva das orcas.
Nesse estudo de 2015, coordenado por Darren Croft, biólogo da Universidade de Exeter (no Reino Unido), já se previa que a menopausa nas orcas pudesse estar associada a uma autoprotecção evolutiva da própria espécie. Afinal, só existem três espécies de mamíferos com menopausa, os seres humanos, as baleias-piloto (Globicephala macrorhynchus) e as orcas. Contudo, apenas as mulheres têm menstruação.
Darren Croft voltou agora tema da menopausa das orcas, desta vez como autor principal. “No nosso estudo prévio mostrávamos como as fêmeas mais velhas ajudavam o grupo, mas não o porquê de se pararem de reproduzir”, explica Darren Croft, em comunicado do grupo Cell Press, que edita a Current Biology.
Neste último estudo, a equipa de cientistas chegou à conclusão, pela primeira vez, de que a menopausa nas orcas acontece devido a um conflito entre as fêmeas mais velhas e as mais novas. As crias das orcas mais velhas ficavam em desvantagem relativamente às das mais novas e poderiam acabar por morrer.
Para chegar a estes resultados, a equipa começou por determinar os padrões da idade das orcas enquadrando-os nas relações de parentesco, neste caso de mães e filhas. Os cientistas observaram que a afinidade das fêmeas com os machos aumentava com a idade durante o período reprodutivo. Contrariamente, a ligação entre as fêmeas em período reprodutivo e as suas filhas (que ainda não são férteis), permanecia constante ao longo do tempo. O pico na relação entre essas fêmeas coincidia com o fim do período reprodutivo das mães, depois disso a relação começa a entrar em declínio.
Depois, construiu-se um modelo para o conflito reprodutivo entre as orcas. Foram então analisadas as diferenças do esforço competitivo para a reprodução entre as orcas mais velhas e as mais novas. Isto porque nos “mamíferos típicos”, em que as fêmeas mais velhas continuam a reproduzir-se, elas ganham às mais novas. Mas não era isso que este modelo previa para as orcas. “O nosso estudo prevê que nas orcas o conflito reprodutivo intergeracional tem um custo mais baixo para as fêmeas mais novas do que para as mais velhas”, lê-se no artigo científico. Mas porquê?
Os investigadores confirmaram o tipo de conflito reprodutivo que tinham previsto. Para tal, usaram dados demográficos de orcas do Pacífico Noroeste, em observações de 200 orcas ao longo de 43 anos. Observou-se que as orcas grávidas necessitavam de mais recursos alimentares e que a seguir ao parto precisavam de mais de 42% de comida para o aleitamento. Todos estes dados foram relacionados com o período em que as orcas começavam a reproduzir-se e quando paravam de reproduzir-se. Concluiu-se que as crias das orcas mais velhas tinham 1,7 mais riscos de mortalidade do que as crias das mais novas. Portanto, os custos são menores para as orcas mais novas do que para as mais velhas.
Não foi acidente
Mas o risco de mortalidade não é a única razão que leva as orcas a pararem de se reproduzir. A partilha de comida, principalmente quando há menos quantidades, é outro dos motivos. É como se as mais velhas continuassem a cuidar das mais novas, mesmo depois de estas se tornarem autónomas e se conseguirem reproduzir. Assim sendo, segundo este estudo a menopausa não é um acidente.
“A menopausa não envolve apenas benefícios de ajuda numa idade avançada, como por exemplo ser avó. Também envolve o conflito entre as fêmeas velhas e as novas e o facto de as velhas perderem este conflito”, explica Darren Croft ao PÚBLICO. Assim, a nível evolutivo, as orcas acabaram por tomar uma opção: “As fêmeas mais velhas pararam de investir na reprodução directa e investiram na ajuda de sobrevivência da sua família.”
Este estudo pode também ajudar a compreender a menopausa nas mulheres. De acordo com a hipótese do “conflito reprodutivo”, as mulheres mais velhas das sociedades ancestrais também começaram a parar de se reproduzir e investiram na ajuda ao crescimento e à sobrevivência dos mais novos. “A nossa investigação mostra que a mesma teoria pode explicar a evolução da menopausa nos humanos”, considera Darren Croft.
A equipa pretende continuar os estudos sobre as orcas e diz que vai usar drones para observar os comportamentos nesta espécie. “Queremos compreender as interacções sociais entre as orcas. Quem é que partilha comida com os outros ou quem faz o babysitting das crias?”, revela-nos o investigador. “Através de uma vista como a das aves seremos capazes de transformar a nossa compreensão sobre a vida social destes animais espectaculares”, afirma, por sua vez, em comunicado.
No fundo, ainda há muito por saber sobre estes mamíferos de grande porte: quando, em termos evolutivos, é que a menopausa surgiu nas orcas? “É uma questão interessante, para a qual não tenho resposta”, assume Darren Croft.
Mas se há algo de que se tem a certeza é que uma das comunidades de orcas está em perigo: as orcas residentes na zona sul do Pacífico Noroeste. Apenas existem 78 animais desta comunidade, de acordo com Darren Croft. Desta comunidade fez parte a J2, também conhecida como Granny, a orca mais velha alguma vez conhecida. Morreu com 105 anos, em Outubro de 2016.
Um dos grandes problemas para a conservação desta população é a competição entre as orcas e os pescadores. Elas alimentam-se dos peixes que os pescadores querem pescar, por isso acabam por disparar com armas sobre elas. Nesta competição, são mesmo as orcas que perdem.