O guião russo para interferir na Europa já está escrito

Os próximos meses são cruciais para o futuro político da União Europeia. Para o influenciar, Moscovo deverá seguir uma estratégia semelhante à que foi aplicada nos EUA.

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Marine Le Pen, líder da Frente Nacional, tem feito visitas frequentes a Moscovo Reuters/Charles Platiau

A vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais de Novembro foi recebida com aplausos na Duma (Parlamento russo), mas é na Europa que residem os grandes interesses estratégicos do Kremlin. E, para os alcançar, os serviços secretos russos têm desenvolvido estratégias semelhantes às que foram detectadas pelas agências de informação norte-americanas. Esta “guerra híbrida” conjuga modalidades tradicionais — propagação de desinformação — e tácticas contemporâneas — pirataria informática. O objectivo tem um único sentido: minar a credibilidade das democracias liberais europeias, que Moscovo encara como ameaças à sua segurança.

Um dos alertas mais concretos foi lançado pelo director do MI6 (serviços de informação externa britânicos), Alex Younger, em Dezembro, numa rara aparição pública. “A conectividade que está no centro da globalização pode ser explorada por Estados com intenções hostis para alcançar os seus objectivos de forma refutável. Eles fazem-no através de meios tão variados como ciberataques, propaganda e subversão do processo democrático”, afirmou, sem, porém, referir directamente a Rússia.

A refutabilidade destas acções é, de facto, um dos maiores problemas que os serviços de segurança e informação europeus enfrentam, especialmente no que respeita aos ataques informáticos. Numa análise recente, a empresa russa de segurança informática Kaspersky previa um “uso generalizado de manobras de desorientação (conhecidas como bandeira falsa) para turvar as águas da atribuição”. “À medida que os ciberataques assumem um papel crescente nas relações internacionais, a atribuição irá tornar-se uma questão central para determinar uma resposta política, tal como a retaliação”, acrescenta o relatório.

Os espiões

Um dos episódios mais recentes que indicam uma intensificação da acção de espionagem russa na Europa envolve o espião português Frederico Carvalhão Gil, detido em Roma em Maio do ano passado, suspeito de vender documentos confidenciais da NATO a agentes russos. O agente do SIS tinha acesso a informações altamente confidenciais, mas negou em tribunal que as tivesse tentado vender.

Em 2010, Anna Chapman foi detida em Nova Iorque sob suspeita de pertencer a uma rede de espiões russos e acabou por ser deportada para a Rússia. Depois de se ter tornado uma celebridade que fez várias capas nos tablóides britânicos, Chapman foi nomeada conselheira do organismo juvenil do partido Rússia Unida, no poder, e passou a ter um programa televisivo.

Le Pen em Moscovo

O apoio a partidos populistas, críticos dos fundamentos da União Europeia e da NATO, é outra das estratégias de Moscovo. São várias as formações políticas com ligações e contactos com o Kremlin, mas o caso da Frente Nacional francesa é o que mais se distingue. Desde 2013 que a líder Marine Le Pen visita todos os anos Moscovo, onde é recebida por altos dirigentes políticos, mas a ligação vem de antes. Já o fundador da Frente Nacional, Jean-Marie Le Pen, tinha visitado a capital russa em 2005, onde apelou à criação de um “espaço cristão” e “humanista”, que englobasse todo o continente europeu, lembra o Le Monde.

Hoje, as relações entre o Governo russo e o partido de extrema-direita vão além da retórica. De acordo com o site de investigação Mediapart, a Frente Nacional recebeu em 2014 um empréstimo de pelo menos nove milhões de euros do First Czech Russian Bank, sedeado em Moscovo. O financiamento aconteceu pouco depois de Marine Le Pen ter declarado publicamente o seu apoio à anexação da Crimeia pela Rússia, após um referendo “sem contestação possível” — a ONU não reconheceu a consulta por ter decorrido enquanto o território se encontrava sob ocupação militar russa.

Le Pen é uma das favoritas a passar à segunda volta das eleições presidenciais francesas, no início de Maio, mas já não poderá contar com o financiamento do banco russo. O FCRB declarou falência e pede agora o reembolso do empréstimo. Mas, do outro lado, é provável que o seu adversário seja François Fillon, que tem expressado apoio a uma reaproximação com a Rússia. É, portanto, muito possível que haja novos aplausos na Duma na manhã de 8 de Maio.

Alemanha em alerta

A estratégia russa passa invariavelmente pela exploração de situações pré-existentes que possam indicar uma clivagem social, com o objectivo de pôr em causa os poderes constituídos — o Governo, as instituições internacionais e a imprensa. Aconteceu assim com o sentimento antiglobalização partilhado por grande parte da população de estados industriais dos EUA, com o espírito eurocéptico em França e com o receio dos refugiados na Alemanha.

O desaparecimento, no início do ano passado, de uma jovem de origem russa de 13 anos na Alemanha foi o gatilho necessário para espalhar a confusão e a crítica em relação ao Governo de Angela Merkel. Depois de ter desaparecido durante quase dois dias, a jovem disse à mãe ter sido raptada e violada por três homens estrangeiros. As análises forenses nada indicaram nesse sentido e a jovem acabou por admitir ter inventado a história.

Porém, a versão de que uma adolescente russa tinha sido violada por refugiados na Alemanha tinha já ganho raízes na Internet e na televisão russa. O caso levou o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Lavrov, a acusar as autoridades alemãs de “encobrimento”, e grupos de extrema-direita convocaram manifestações com milhares de pessoas. O incidente encaixava numa das narrativas preferidas dos media estatais russos — a de uma Europa mergulhada num caos permanente por causa das políticas “liberais” dos seus dirigentes.

Tal como a França, a Alemanha tem este ano eleições que são vistas como um alvo sensível para ataques informáticos e campanhas de desinformação. O director da agência interna de informação, Hans-Georg Maassen, enquadrou o caso da adolescente numa “ameaça híbrida que pretende influenciar a opinião pública e os processos de tomada de decisão”.

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