Quase nove mil portugueses votaram na “geringonça” (na palavra do ano, bem entendido)
“Geringonça” recebeu o voto de 35% dos 25 mil “eleitores” que participaram na iniciativa anual da Porto Editora. Responsáveis indirectos pela Palavra do Ano de 2016: Vasco Pulido Valente (que a usou numa crónica) e Paulo Portas (que a invocou no Parlamento).
“Campeão” não ganhou, ficou em 2.º lugar (29%), e “Brexit” teve direito ao 3.º lugar do pódio, mas só com 8%. Entre as dez palavras a votação, “geringonça” venceu, com 8750 votos. Outros resultados: “parentalidade” (6%), “presidente” (6%), “turismo” (4%), “racismo” (4%), “humanista” (4%), “empoderamento” (3%) e “microcefalia” (1%).
Palavras que, explica Paulo Gonçalves, responsável pelo gabinete de comunicação e imagem da Porto Editora, foram escolhidas, como nos anos anteriores, “através da observação e acompanhamento da língua portuguesa ao longo do ano”. A editora analisa “a frequência e distribuição do uso de certas palavras nos meios de comunicação e redes sociais”, mas também “no registo de consultas online e mobile” dos dicionários que edita. As sugestões no site www.palavradoano.pt. entram igualmente nesta selecção.
Há vários significados atribuídos a “geringonça”: “construção pouco sólida e que se escangalha facilmente; caranguejola”; “aparelho ou máquina considerada complicada; engenhoca”; “coisa consertada que funciona a custo”.
Isto antes de se chegar aos sentidos figurados. Ei-los: “sociedade ou empresa de estrutura complexa e pouco credível” e “qualquer coisa ou ideia engendrada de improviso e que funciona com dificuldade”. Por último, “calão; gíria”.
Paulo Gonçalves lembra que “a palavra ‘geringonça’ já existe há muito tempo”, mas que “ganhou nova dinâmica e força pelo uso e aplicação em novos contextos”. Para concluir que é este “o espírito da iniciativa Palavra do Ano”, uma forma de potenciar “a reflexão sobre as palavras e sobre a língua portuguesa”.
Numa crónica de Agosto de 2014, Vasco Pulido Valente chamou “geringonça” ao PS, logo após as primárias para a escolha do candidato a primeiro-ministro. Dizia o cronista que “o eleitor médio de qualquer partido (…) começa a fugir da geringonça a que se chama PS”.
Uns tempos depois, no final de 2015, Paulo Portas, na discussão do programa do XX Governo Constitucional, referindo-se ao acordo entre PS, PCP e BE, afirmou: “A vossa manobra não é bem um governo, é uma geringonça.” Hoje, o antigo líder do CDS/PP diz ao PÚBLICO que usou a palavra porque a considerou “iluminada”. “O seu a seu dono. Foi Vasco Pulido Valente que a usou pela primeira vez. Mas achei a palavra iluminada. Daí tê-la usado.”
Foi a partir daí que a palavra ganhou novas conotações e passou até a ser integrada no discurso de António Costa como algo positivo, “que funciona”, segundo ele. A tal ponto que o primeiro-ministro, no Natal, ofereceu a cada governante uma “engenhoca” diferente, consoante o respectivo ministério.
Para Marcelo Rebelo de Sousa, no entando, a palavra do ano devia ser outra. “Eu escolheria ‘descrispação’, mas escolhe quem pode. Acho que 2016 foi o ano da ‘descrispação’”, disse o Presidente da República aos jornalistas à margem de uma visita a uma Escola Básica e Secundária em Cascais.
A repetição do vocábulo no Parlamento, na comunicação social e nas redes sociais fizeram com que se transformasse na palavra mais votada pelos portugueses que participaram nesta oitava edição da eleição da Palavra do Ano. As palavras vencedoras nas edições anteriores foram “refugiado” (2015), “corrupção” (2014), “bombeiro” (2013), “entroikado” (2012), “austeridade” (2011), “vuvuzela” (2010) e “esmiuçar” (2009).
O responsável da Porto Editora acredita que esta iniciativa “já faz parte do calendário dos portugueses” e informa que no dia 18 de Janeiro ficará a saber-se as palavras do ano escolhidas em Angola e Moçambique, que se estrearam nesta votação, com a colaboração do Instituto Camões.