Antropofagia, Stravinsky e muito mais: assim se dança em 2017
Tamara Cubas, Akram Khan, Yoann Bourgeois, Alain Platel e Sasha Waltz são alguns dos coreógrafos que nos visitam esta temporada. Tânia Carvalho, Luís Guerra, Cláudia Dias e Olga Roriz também terão peças novas.
Em ano de pousio para Alkantara e Cumplicidades, alguns dos destaques óbvios da programação internacional de dança encontram abrigo no habitual GUIdance, na afirmação dos Dias da Dança e, desta vez, no alinhamento de Lisboa 2017 – Capital Ibero-Americana de Cultura. Embora neste último caso a programação seja esparsa, há que saudar a presença da uruguaia Tamara Cubas e da sua Trilogia Antropofágica, com a qual canibaliza alegremente três obras recentes em que o Brasil dançado se vê a contas com a herança ameríndia – sintonizando-se com o Manifesto Antropofágico que Oswald de Andrade escreveu em 1928, dando forma ao modernismo brasileiro. Será entre 15 e 24 de Setembro que Cubas apresentará no Teatro São Luiz as suas reapropriações de Vestígios (2010), de Marta Soares, Matadouro (2010), de Marcelo Evelin, e Pororoca (2009), de Lia Rodrigues. Logo em seguida, a 29 e 30 de Setembro, o próprio Evelin apresenta no Teatro Maria Matos a sua nova criação, Dança Doente, inspirado pelo universo do coreógrafo e bailarino japonês Hijkata Tatsumi, e pelo teatro butô. E, em Novembro, Lisboa 2017 juntará ainda dois solos num mesmo programa da Companhia Nacional de Bailado: Chaconne, do mexicano José Limón, e uma encomenda ao renovador do flamenco Israel Galván – ficou famosa a sua Metamorphosis, releitura andaluza do universo de Kafka –, partindo da química estabelecida com o bailarino da CNB Carlos Pinillos.
Entretanto, em Guimarães, a sétima edição do GUIdance oferece um total de quatro estreias nacionais e duas estreias absolutas, com destaque obrigatório para o espectáculo de abertura, Conceal / Reveal, do britânico Russell Maliphant (2 de Fevereiro), concebido como celebração dos 20 anos de colaboração entre o coreógrafo e o designer de luz Michael Hulls. Em estreia estarão também Adorabilis (4 de Fevereiro) de Jonas Runa e Lander Patrick, o novíssimo solo de Tânia Carvalho Captado pela Intuição (4), This Is Concrete (10), uma “viagem longa, entorpecida e sexual” entre dois corpos criada pelo bem regressado Jefta van Dinther, A Importância de Ser (Des)necessário (11), de António Torres e Ana Jezabel, e o amor segundo Wim Vanderkeybus em Speak Low if You Speak Love (11) – que passa nos dias seguintes por Viseu, Coimbra e Almada.
Após uma marcante primeira edição em que Raimund Hoghe e Ambra Senatore foram chamarizes, os Dias da Dança voltam a Porto, Matosinhos e Gaia entre 27 de Abril e 13 de Maio. Para 2017, o Ípsilon sabe já que o festival receberá a última criação (BiT) da francesa Maguy Marin, entre a euforia festiva, a sedução dançante e os rituais macabros, Alain Platel a atirar-se ao Lied de Mahler em Nicht Schlafen, Cláudia Dias a avançar na semana com Terça-Feira (segundo de sete anos com sete peças em colaboração com sete criadores, desta vez na companhia do clown Luca Bellezze) e a estreia em Portugal do coreógrafo italiano Michele Rizzo. Pelos Dias da Dança passará igualmente Celui qui Tombe, que rumará em seguida ao FIMFA, no São Luiz (Lisboa). A peça de Yoann Bourgeois coloca seis intérpretes que tentam equilibrar-se todo o tempo sobre uma plataforma suspensa, operada pelo autor como se fosse um marionetista investido de Deus.
Ainda no Porto, o Teatro do Campo Alegre receberá a 3 e 4 de Março um programa intenso dedicado aos coreógrafos Dorothée Munyaneza (Ruanda) e Mithkal Algzhair (Síria), composto por espectáculos, filmes e workshops em que a migração forçada e a fuga à violência e ao totalitarismo estarão sob o microscópio.
Na CNB, a última temporada dirigida por Luísa Taveira tem entre 23 de Fevereiro e 4 de Março no Teatro Camões (Lisboa), e a 9 de Março no Rivoli (Porto), um dos momentos mais aguardados de 2017: iTMOi – In the Mind of Igor, do britânico Akram Khan. Este Igor, esclareça-se, é Stravinsky. Khan toma a música do revolucionário compositor que abalou não apenas o mundo da música mas também o da dança para criar uma peça baseada no movimento de uma bailarina que dança até à morte. Embora tenha deixado há pouco tempo o Camões, a verdade é que a mão de Luísa Taveira se sente já no Centro Cultural de Belém, onde este mês de Janeiro já sinaliza uma nova postura – a 20 e 21, Clara Andermatt junta-se a dois compositores para colocar em palco Suspensão. A 22 e 23 de Fevereiro será Anne Teresa de Keersmaeker a apresentar uma das suas peças fundamentais, Rain, enquanto no final do ano Sasha Waltz trará uma nova criação e Alexander Vantournhout apresentará a sua deturpada autobiografia em Aneckxander.
No Teatro Maria Matos a dança toma já no início do ano a forma de duas criações de Tânia Carvalho e de Luís Guerra, criadores próximos, trabalhando ideias muito distintas. No caso de Tânia Carvalho, depois de ter experimentado em A Tecedura do Caos a criação para um ensemble alargado, Glimpse – 5 Room Puzzle (26 a 28 de Janeiro) resume-se a três bailarinos dedicados a duas sequências de movimentos em “harmonia contida” ou “harmonia disparatada”. Luís Guerra convida à imersão em A Tundra, desafiando-nos a desligar a razão e a partir rumo ao inconsciente. Antes de chegar ao Maria Matos, a 7 de Fevereiro, passa pelo Teatro Viriato (Viseu) a 2, e pelo Teatro Municipal da Guarda a 4, seguindo depois para o Centro Cultural Vila Flor (Guimarães) a 9 e para o Teatro Virgínia (Torres Novas) a 11. Ambos passarão também pelos Dias da Dança.
Já Olga Roriz estreará Síndrome no São Luiz (30 de Junho e 2 de Julho) – o espectáculo começa onde terminou o anterior Antes que Matem os Elefantes, criado a partir dos destroços da guerra na Síria. O primeiro trimestre do ano trará ainda La Nuit Tous les Chats Sont Gris, de Laurence Yadi e Nicolas Cantillon, que no Rivoli (17 de Fevereiro) e na Culturgest (24 e 25) fará da Companhia Instável veículo para uma dança quase na penumbra, recebendo ainda a sala lisboeta a 21 e 22 de Janeiro o espectáculo juvenil de Tiago Cadete Pangeia, e a 3 e 4 de Março Coniunctio, de Pedro Ramos, dueto baseado na operação alquímica que ao juntar dois elementos cria um terceiro.
Com Inês Nadais