Crescimento, coesão e consensos: os Presidentes mudam, os votos não

Nas primeiras mensagens de Ano Novo, todos os chefes de Estado eleitos em democracia mostraram preocupações com a economia, as desigualdades sociais e apelaram a grandes consensos nacionais. A história repete-se.

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Os anteriores Presidentes eleitos em democracia Nuno Ferreira Santos

Se não há uma cartilha para os primeiros discursos de Ano Novo dos Presidentes da República, parece. Há temas e frases que se podiam escrever num papel, baralhar e atribuir a outro chefe de Estado, que quase não se perceberia. Vamos fazer um exercício?

“É chegado o tempo de ultrapassar a fase de reduzido crescimento económico” apesar de um “quadro internacional particularmente difícil”. Quem o disse e quando? “Quaisquer que sejam as legítimas divergências de pontos de vista ou os conflitos de interesses, o que nos une é sempre mais importante do que aquilo que nos divide”. Não, não foi Marcelo na tomada de posse, embora a ideia seja a mesma.

“Estão criados os pressupostos básicos para que possamos adoptar, por forma tanto quanto possível consensual, uma estratégia nacional de desenvolvimento, capaz de proporcionar a todos os portugueses maior igualdade de oportunidades, maior bem estar, mais justiça social”. Uma nota de optimismo, graças à conjuntura, mas que mantinha o espírito avançado dez anos antes de que “é preciso acabar com a crise antes que ela acabe connosco” mas “tudo exige um consenso nacional”.

Cavaco Silva em 2007, Jorge Sampaio dez anos antes, Mário Soares (1987) e Ramalho Eanes (1977). Conjunturas políticas incomparáveis, estrutura de fundo semelhante. Com mais sal ou mais açúcar, há em todas as primeiras mensagens de Ano Novo dos chefes de Estado em democracia pelo menos três notas comuns: o incitamento ao crescimento económico acompanhado de maior coesão social e o apelo aos consensos nacionais. As preocupações com o crescimento económico e o equilíbrio das finanças públicas estiveram sempre presentes, mesmo nos tempos em que as vacas eram mais gordas.

Quando fizeram as primeiras mensagens de Ano Novo ao país, todos os Presidentes tinham sido eleitos muitos meses antes. E quase todos tinham motivos para celebrar. Eanes tinha sido eleito na sequência da aprovação da Constituição da República e o país estava em fase de normalização, findo o Processo Revolucionário em Curso (PREC). Mário Soares tinha ajudado a colocar Portugal na liga europeia (então CEE) e avisava que “a integração europeia responsabiliza todos os portugueses. Tem de ser encarada como verdadeira opção nacional”.

No ano da primeira eleição de Jorge Sampaio, era criada a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Portugal fora eleito para o Conselho de Segurança das Nações Unidas e organizava a cimeira da OSCE. “Os recentes acontecimentos demonstram que a comunidade internacional confia no papel de Portugal, em ordem à criação de condições de paz e de progresso no mundo”, dizia então o chefe de Estado.

E no ano em que Cavaco chegou a Belém, foi celebrado um pacto para a justiça entre PS (com maioria absoluta) e PSD e dois acordos de concertação social, um para o salário mínimo e outro para a reforma da Segurança Social. E em 2007 Portugal iria assumir a presidência da UE, levando-o a profetizar: “A presidência da União Europeia será igualmente uma oportunidade, que tão cedo não se repetirá, para afirmar o prestígio de Portugal”.

Havia também uma estabilidade política mínima garantida e determinação dos chefes de Estado em manter boas relações com os governos. Nas mensagens de todos havia, portanto, palavras de confiança e de esperança no futuro. E de responsabilização de todos pelo futuro colectivo. Agora, a história repete-se.

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