Portugueses querem mais Estado Social, mas não o querem pagar
Estudo revela que a crise fez aumentar a vontade dos portugueses de terem mais medidas sociais, de apoio ao desemprego e das pensões.
Cinco anos de crise (de 2008 a 2013) fizeram com que os portugueses mudassem a sua percepção do estado social. Três investigadores estudaram os comportamentos de quem trabalha e de quem está ou ficou sem emprego e concluíram que houve um aumento da vontade de intervenção do Estado nos apoios sociais, mas não acompanhado por uma vontade de os portugueses pagarem mais impostos para suportar esse aumento. Ao mesmo tempo, concluíram os investigadores, houve uma viragem à esquerda na ideologia.
“O apoio para uma intervenção do Estado” na provisão do apoio social “aumentou no rescaldo da crise”, lê-se nas conclusões do estudo “Welfare attitudes in Portugal before and after de financial crisis” (Atitudes de bem-estar social em Portugal antes e depois da crise financeira) de três investigadores, Filipe Carreira da Silva, Mónica Vieira e Cícero Pereira, de três universidades diferentes.
Mais do que as políticas que foram levadas a cabo durante a crise, os investigadores concentraram-se nas mudanças de comportamento de quem está ou não a beneficiar de algumas das políticas sociais, para perceberem até que ponto a crise moldou comportamentos. E chegaram a um resultado “surpreendente”. “Os resultados mais surpreendentes do estudo são o crescimento do apoio das pessoas com emprego precário ou sem ele às políticas sociais de natureza contributiva por relação às políticas sociais de natureza redistributiva (não contributivas, portanto)”, contam os investigadores.
Esta conclusão contraria uma visão inicial de que qualquer pessoa coloca em primeiro lugar o interesse próprio. O estudo mostra que, em última análise, o apoio destas pessoas até foi para medidas que não as beneficiam à partida, sobretudo no que às pensões diz respeito.
“Na prática, os portugueses com vínculos laborais precários parecem apoiar a formação de pensões de reforma de acordo com uma lógica que, objectivamente, os prejudica ou, se se preferir, beneficia quem tem um emprego estável”, dizem os investigadores (ver entrevista). O mesmo acontece nas políticas de apoio ao emprego.
Nas conclusões do estudo, há pelo menos mais duas conclusões que podem ser retiradas. O apoio a uma maior intervenção do Estado aumenta nos vários grupos de portugueses (insiders e outsiders, ou seja quem trabalha e quem não trabalha), ao mesmo tempo que “não se traduz numa vontade de pagar impostos para sustentar a extensão da provisão” de políticas de Estado social, conclui o estudo. Esta pouca vontade em contribuir mais para este aumento pode ser explicado “mas não é certo”, acreditam os investigadores, “pela "fadiga fiscal". “Mas não é certo: é possível que a indisponibilidade já lá estivesse antes de 2008”, dizem.
Outra das conclusões a que chegaram prende-se com um acentuar do ponto de vista ideológico. “Há uma mudança ideológica geral da população para a esquerda”, diz o estudo. Sobretudo porque durante os anos da crise, “em Portugal, como noutros países que tiveram resgates (Grécia, Irlanda e Chipre), a crise económica é inseparável da intervenção externa por instituições que apoiam largamente políticas económicas neo-liberais e propondo a redução do estado social como forma de redução do défice e recuperação económica”.
É esta mudança ideológica que os investigadores dizem estar por detrás do posicionamento de trabalhadores precários que têm motivações “do âmbito dos valores”. Ou seja, “os direitos sociais são, devem ser, em seu entender [dos precários], não tanto uma resposta a necessidades, universais ou presentes, quanto a resposta devida às lutas passadas dos trabalhadores, que resultaram no estabelecimento do regime democrático, e num "contrato" com o Estado, por exemplo, em termos de pensões, que não pode ser agora violado”, explicam.
Para os investigadores, estes trabalhadores incorrem num risco “grande” porque têm poucas “perspectivas” de que a sua situação de “precariedade laboral” venha a mudar rapidamente. “Eleitoralmente uma maior atenção aos riscos destes trabalhadores é improvável já que os trabalhadores precários ou desempregados, ao contrário dos trabalhadores com emprego seguro, não são uma clientela que os partidos controlem ou de que dependam particularmente”, acreditam.