Esquerda dividida sobre liberdade sindical dos polícias

BE e PCP juntam-se aos sindicatos e dizem que nova lei que rege a actividade sindical da PSP não pode ser "impeditiva". Governo diz que esta é uma "clarificação" do que já existia.

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Martin Henrik

A esquerda não discorda da necessidade de mudar as regras de participação dos polícias em sindicatos, por causa das horas dedicadas por alguns profissionais a estas estruturas que dificultam as escalas de serviço da PSP, mas discorda de tudo o resto. O Governo apresentou uma alteração à lei e contou de imediato com a oposição de sindicatos. Agora, conta também com a rejeição dos parceiros do Governo. A proposta ainda vai ser negociada, mas, como está, não passa pelo crivo do PCP e do BE.

"É uma oportunidade perdida. Contém uma série de limitações da liberdade e da actividade sindical. Não faz sentido e não a acompanhamos. Trata-se de limitar de uma forma grosseira e de praticamente impedir a actividade sindical", diz ao PÚBLICO a deputada do BE Sandra Cunha. "Estando de acordo com a perspectiva inicial de combater abusos, não damos o nosso acordo e vamos lutar para que não se concretize qualquer limitação. Não se pode, à boleia de um propósito que é justo, cometer uma injustiça", diz o deputado do PCP, Jorge Machado.

Os partidos não concordam com a formulação encontrada pelo Governo. Fonte ligada ao processo, diz ao PÚBLICO que a intenção do Ministério da Administração Interna foi fazer uma "clarificação" do que existia. 

Antes, os polícias estavam impedidos de "fazer declarações que afectem a subordinação da PSP à legalidade democrática e a sua isenção política e partidária". A proposta acrescenta que também ficam impedidos de fazerem "declarações que violem os princípios da hierarquia de comando e da disciplina". Outra alínea impedia os polícias de revelarem informações "relativas ao dispositivo ou actividade operacional da polícia" legalmente classificadas como assunto "reservado". Na nova formulação, estes impedimentos são alargados a "qualquer informação sujeita ao dever de sigilo relativa ao dispositivo e ao planeamento, execução, meios e equipamentos empregues em operações policiais".

São estas mudanças que não agradam à esquerda. "Limita as associações e delegados ao comentarem aquilo que são as questões da falta de meios operacionais, esta é uma limitação evidente", alerta Jorge Machado. Sandra Cunha, do BE, que vai ouvir os diferentes sindicatos em Janeiro (são 14 os sindicatos da polícia), diz que, na prática, os sindicatos ficam "impedidos de exercer as suas funções de fiscalização e denúncia dos meios e equipamento, das condições de trabalho e de defesa dos seus trabalhadores", uma vez que "tudo o que tem a ver com denúncia de abuso nas escalas de serviço, com o estado dos equipamentos, das esquadras e com condições de trabalho faz parte da acção sindical" passa a estar abrangido pelas restrições da lei.

A liberdade sindical dos polícias não é comparável à dos restantes funcionários públicos e o Governo decidiu mexer nesta legislação por haver um consenso de que havia abusos por parte de alguns polícias que usam os créditos de horas para actividade sindical, quando alguns dos sindicatos não têm peso por terem poucos associados. E a Constituição, lembra o especialista em direito administrativo Paulo Veiga Moura, já estabelece "a possibilidade de haver uma espécie de limitação de direitos por parte das associações policiais". A existente nesta proposta de lei do Governo "não parece desproporcional a ponto de silenciar a actividade sindical", alega o especialista, sobretudo a alteração que impede os polícias de falarem sobre as condições de meios e equipamentos - para Paulo Veiga Moura, não estão abrangidas as classificações gerais, mas as referentes a operações "que já estão sujeitas a sigilo". 

O mesmo não acontece sobre a proibição de falarem sobre as hierarquias de comando. "A formulação é demasiado genérica, significa que um polícia não pode sequer criticar o seu superior hierárquico. Pode ser uma forma de silenciar vozes discordantes, por isso tem de ter uma interpretação restritiva, não pode ser qualquer declaração", avisa o especialista.

 As alterações deram entrada no Parlamento a semana passada e é lá que vão agora ser discutidas. BE e PCP são frontalmente contra, apesar de reservarem a clarificação do voto para depois. PSD e o CDS deixam uma posição para mais tarde.

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