Ratinhos entraram numa máquina do tempo e rejuvenesceram

O tempo voltou para trás quando os cientistas fizeram várias sessões curtas de reprogramação celular em ratinhos. O trabalho mostra que o envelhecimento pode ser maleável e manipulado, mas ainda é cedo para prever uma aplicação desta técnica em humanos.

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A a “máquina do tempo” da reprogramação celular num cartoon do Instituto Salk Juan Carlos Belmonte/Instituto Salk
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Reparação de danos nas células em ratinhos com progeria, antes da reprogramação celular (à esquerda) e depois (à direita) Juan Carlos Belmonte/Instituto Salk

Até agora, a reprogramação celular que faz com que células adultas voltem à sua fase inicial de células estaminais indiferenciadas não tinha tido bons resultados. Os animais usados nas experiências ou morriam muito rapidamente ou desenvolviam cancro. Desta vez, um grupo de cientistas do Instituto Salk, na Califórnia (EUA), conseguiu pela primeira vez fazer o tempo voltar para trás para um grupo de ratinhos, reduzindo os sinais de envelhecimento e prolongando o seu tempo de vida. O artigo, publicado na revista Cell, mostra que, afinal, o envelhecimento pode não ser irreversível mas ainda é preciso muita investigação até experiências em humanos.

Os cientistas fizeram várias experiências de reprogramação celular – que leva as células adultas a regredir para uma fase inicial de células indiferenciadas – baseadas no modelo concebido pelo japonês Shinya Yamanaka, que envolve a indução da activação de quatro factores de transcrição (quatro genes) chamados “factores de Yamanaka”. 

Porém, esta equipa optou por uma estratégia diferente da que tem sido explorada por outros investigadores e fez o que chamam “reprogramação parcial”. Ou seja, em vez de induzir os quatro factores (manipulando os genes Oct4, Sox2, Klf4 e c-Myc) de Yamanaka durante vários dias (uma ou duas semanas), fizeram-no apenas durante um ou dois dias em vários ciclos. Com esta abordagem, os cientistas reprogramaram “marcas” no genoma (epigenéticas), reduzindo os danos acumulados nas células adultas através da restauração do seu núcleo e observaram uma redução dos sinais de envelhecimento e um aumento do tempo de vida dos animais de 18 para 24 semanas.

“Alterámos o envelhecimento mudando o epigenoma, o que sugere que o envelhecimento é um processo maleável”, refere Juan Carlos Belmonte, investigador no Instituto Salk e principal autor do artigo, no comunicado da revista.

A equipa fez experiências em tecidos – usando células da pele de ratinhos –, em ratinhos com uma doença associada ao envelhecimento precoce e em ratinhos saudáveis já velhos. Os efeitos de rejuvenescimento foram mais óbvios nos ratinhos doentes e que tinham progeria, uma rara doença genética caracterizada por uma mutação que leva ao envelhecimento precoce. “Não corrigimos a mutação que causa o envelhecimento precoce nestes ratinhos”, esclarece Juan Carlos Belmonte.

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Células de músculo de ratinhos velhos antes da reprogramação celular (à direita) e depois (à esquerda) Juan Carlos Belmonte/Instituto Salk

Após algumas sessões curtas de reprogramação celular, estes animais “pareciam mais jovens” do que o grupo de animais também com progeria que não foi alvo de reprogramação celular, concluíram. Os exames realizados confirmaram que a função cardiovascular dos animais “reprogramados” melhorou e – o mais surpreendente – viveram mais 30% do tempo, sem desenvolver cancro. Com análises ao microscópio, foram ainda notadas melhorias no tecido da pele, do baço, rins e estômago.

Nos animais saudáveis, a indução cíclica dos factores de Yamanaka fez melhorar a capacidade de regeneração do pâncreas e dos músculos.

Testes em humanos?

Nos próximos passos da investigação, os cientistas vão tentar perceber melhor quais as marcas que mudam e conduzem o processo de envelhecimento. Por outro lado, Juan Carlos Belmonte refere num vídeo do Instituto Salk que o futuro também poderá passar por testar esta reprogramação celular recorrendo a compostos químicos.

O envelhecimento é o maior factor de risco para muitas doenças que nos afectam. Porém, ainda teremos de esperar por uma possível aplicação nos humanos destes conhecimentos adquiridos com a reprogramação celular, tal como se constatou nas experiências anteriores com animais em que a “interferência” nas células acabou por resultar em cancro ou morte. As células nesta fase inicial para a qual são levadas com estas técnicas adquirem uma capacidade de proliferação que pode ser prejudicial. Não é por acaso que a grande capacidade de divisão e multiplicação é uma das características das células cancerosas.

“É óbvio que os ratinhos não são humanos e sabemos que será muito mais complexo rejuvenescer uma pessoa”, reconhece Juan Carlos Belmonte, acrescentando que, no entanto, o “estudo mostra que o envelhecimento é um processo muito dinâmico e com plasticidade e que, por isso, será mais receptivo a intervenções terapêuticos do que pensávamos”.

Apesar das reservas, os cientistas parecem determinados em conseguir que o envelhecimento deixe de ser algo irreversível e imaginam que os ensaios clínicos (em humanos) possam começar num prazo de dez anos. Os bons resultados iriam, seguramente, agradar a muita gente. Afinal, quem não gostaria de rejuvenescer ou “apenas” viver mais tempo saudável?

 

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