Regresso de Romeo Castellucci e três estreias no Ano Novo do Teatro São João
Calendário de 2017 abre com a estreia de um musical para a infância, Fã, com texto de Regina Guimarães, música ao vivo dos Clã, e encenação de Nuno Carinhas.
Não é ainda a agenda pós-crise que se espera possa vir a chegar mais cedo ou mais tarde, mas é um calendário com mais produções próprias, a revelar “alguma esperança” no futuro, diz Nuno Carinhas ao apresentar o calendário do Teatro Nacional São João (TNSJ) para o primeiro trimestre de 2017.
Três estreias, novas co-produções e o regresso ao Porto do encenador italiano Romeo Castellucci são os pontos fortes no programa dos vários palcos do teatro nacional portuense para os próximos três meses.
Desde logo, a nova presença na cidade do encenador italiano Romeo Castellucci, no final de Março (dias 27 a 31), a pretexto do Dia Mundial de Teatro, para um programa múltiplo que inclui uma performance, um seminário e uma masterclass.
Em declarações ao PÚBLICO antes da sessão pública de apresentação da nova programação realizada ao final da tarde desta quarta-feira no Teatro Carlos Alberto (TecA), o director artístico do TNSJ explica que o regresso de Castellucci a Portugal acontecerá no âmbito da primeira edição da BoCA – Bienal of Contemporary Arts, que, sob a direcção de John Romão vai ligar o Porto e Lisboa, entre 17 de Março e 30 de Abril, num programa de artes performativas e artes visuais.
No Porto, 20 anos após a sua primeira visita à cidade no âmbito do festival PoNTI, em que apresentou um Hamlet, Romeo Castellucci vai apresentar uma nova “intervenção dramática” sobre William Shakespeare, Júlio César – Peças Soltas (Mosteiro de São Bento da Vitória; 30 e 31 de Março).
“Lutámos muito para voltar a ter Romeo Castellucci entre nós”, diz Nuno Carinhas, referindo-se a este regresso ao São João de um grande nome internacional das artes cénicas. Na sua performance, Castellucci põe em confronto duas personagens misteriosas: “…vski”, “uma espécie de Stanislavski” a mostrar o uso das cordas vocais como origem material, sexual, da palavra; e o apelo ao povo romano feito por Marco António, interpretado por um actor com laringectomia.
O encenador italiano vai ainda dirigir uma masterclass (dia 28), e a sua carreira de criações partilhadas será também tema do seminário Fazer mundo com o espanto dos mundos, dirigido pela investigadora teatral Alexandra Moreira da Silva.
A primeira das três estreias do trimestre do TNSJ será uma encenação do próprio Nuno Carinhas, Fã (TeCA; 5 a 29 de Janeiro), um espectáculo com texto de Regina Guimarães e música ao vivo dos Clã. Trata-se de “um musical para a infância”, mas que – nota o encenador –, “como todos os bons espectáculos, poderá ser usufruído por todas as faixas etárias, sem aborrecimento”. Fã – “palavra pequenina com um grande entusiasmo dentro – ensaia um encontro 'fantástico' entre a música e o teatro, entre as canções pop e a máquina imaginosa de um palco”, diz o TNSJ.
Trata-se também da estreia de Nuno Carinhas na encenação de um musical, depois de ter já feito a cenografia e os figurinos para Cabeças no Ar, de Carlos Tê, com encenação de Adriano Luz. Fã – promete Carinhas – "é um espectáculo dedicado aos supernovos”, a brincar com o medo do escuro e a descoberta da luz.
A segunda estreia chega no início de Março: Os Veraneantes, de Gorki, com encenação de Nuno Cardoso (TNSJ, 9 a 18 de Março). Trata-se de uma co-produção com o Ao Cabo Teatro – e com salas de Guimarães, Braga, Coimbra e Lisboa, por onde passará depois em digressão nacional –, com que Nuno Cardoso e a companhia regressam ao teatro russo – depois de A Gaivota e As Três Irmãs, de Tchékhov –, agora pintando “o quadro rasteiro das aspirações do homem, num imenso coral à pequenez e ao desencanto”.
O clássico de Santo Agostinho Confissões é a outra estreia do trimestre. É uma nova produção d’As Boas Raparigas…, de novo com encenação de Rogério de Carvalho (TeCA; 17 a 26 de Março). Nuno Carinhas realça “a extraordinária ligação” que esta produção estabelece com os espectáculos anteriores d'As Boas Raparigas, que vêm fazendo “uma reflexão filosófica, simultaneamente densa e elegante”, sobre os grandes temas da civilização ocidental, de que Santo Agostinho é um pilar filosófico e doutrinário.
“Em relação à selecção e o foco dos temas tratados, o espectáculo concentrar-se-á naquelas questões em que o Padre da Igreja tem algo a dizer-nos (a nós, espectadores) enquanto seres humanos, independentemente da posição confessional (católico, ortodoxo, muçulmano, agnóstico ou ateu)”, escreve Rogério de Carvalho na nota de intenções sobre o projecto Confissões, realçando, contudo, que o espectáculo não fará qualquer “leitura apologética ou doutrinal” da obra de que parte.
Na perto de uma dezena de criações que farão o calendário dos diferentes palcos do TNSJ no início de 2017, alinham-se produções e co-produções com outras companhias, que irão assim chegando ao Porto: Antes que Matem os Elefantes, coreografia de Olga Roriz (TNSJ; 26 a 28 de Janeiro); A Noite da Iguana, de Tennessee Williams, encenação de Jorge Silva Melo (TNSJ; 9 a 26 de Fevereiro – depois da estreia, em Lisboa, agendada para 19 de Janeiro); A Máquina de Emaranhar Paisagens, a partir de textos de Herberto Helder, direcção e interpretação de Dinarte Branco, em paralelo com o recital Passagens à cena (TeCA; 23 a 26 de Fevereiro); Como Ela Morre, texto e co-criação de Tiago Rodrigues, a partir de Anna Karénina, de Tolstói (TNSJ; 22 a 25 de Março – depois da estreia em Lisboa, no Teatro Nacional D. Maria II, no dia 9 do mesmo mês).
Num ano em que o anunciado orçamento para o TNSJ será pela primeira vez ligeiramente aumentado relativamente às temporadas mais recentes, o primeiro trimestre de 2017 será também o calendário previsível para a assinatura de um novo contrato-programa do teatro nacional portuense e outras instituições nacionais congéneres com a Direcção-Geral das Artes, tendo em vista à efectivação de contratos plurianuais que permitam algum desafogo na programação.
Nuno Carinhas realça “a tentativa de reequilíbrio nas contas" do TNSJ, e também "o profícuo diálogo que tem existido com a tutela”, para manifestar a “esperança” de novos tempos para a criação teatral e cultural. “Mas ainda não saímos da crise e do aperto, e temos de manter uma imensa prudência” relativamente aos tempos futuros, acrescenta o director artístico do TNSJ, que, em 2017, poderá também ver em circulação internacional uma das suas últimas encenações, Os Últimos Dias da Humanidade, de Karl Kraus, que na sequência do recente acolhimento no Porto da assembleia geral da União dos Teatros da Europa poderá vir a pisar palcos de Itália e da Grécia.