Uma doença chamada corrupção
A confirmarem-se as suspeitas, Cunha Ribeiro, não terá resistido a si próprio. Combater a corrupção é uma doença que justifica todos os meios.
Toda a gente sabe que ela existe — e que não é uma idiossincrasia nacional —, mas poucos a denunciam. Ainda na última sexta feira se comemorou o Dia Internacional contra a Corrupção com o lamento de que em Portugal apenas sete denúncias tinham chegado à Transparência e Integridade, uma associação cívica que integra a ONG anti-corrupção Transparência Internacional. O que esta associação tem em comum com a Procuradoria-Geral da República é a consciência da discrepância entre a dimensão da corrupção e a ausência de resposta.
Há pouco mais de uma semana, a procuradora-geral Joana Marques Vidal disse o que sempre ouvimos dizer: o número de magistrados do Ministério Público é insuficiente para que haja uma “especialização verdadeira e efectiva” na investigação à corrupção em Portugal, além de “uma maior formação que lhes permita melhorar a sua capacidade de investigação”. Nem de propósito, Joana Marques Vidal anunciou um novo programa nesse mesmo dia, na sequência do qual 60 magistrados receberão formação específica durante ano e meio. Também na mesma semana, o secretário de Estado da Saúde revelou que o centro de facturas do ministério tinha suspeitas de corrupção sobre 39 casos ocorridos este ano na área da saúde.
Convenhamos, se há sector onde esse combate deve ser prioritário e reforçado é o serviço público. E não é apenas por causa de uma percepção: um barómetro da Transparência Internacional, datado de Novembro, referia que 80 % dos portugueses consideravam que o Estado sofre influências indevidas do grande poder económico. É também, e sobretudo, porque as instituições públicas se devem reger por práticas éticas e transparentes nos antípodas daquelas das quais é suspeito Luís Cunha Rodrigues, detido ontem pela PJ por suspeita de corrupção em negócios dos derivados do sangue a favor da multinacional suíça Octapharma. Cunha Ribeiro resistiu a vários ministros e a vários solavancos governamentais, com a excepção de Ana Jorge, a ministra que o afastou do INEM, cujos serviços profissionalizou.
A confirmarem-se as suspeitas, Cunha Ribeiro, o médico que exerceu quase todos os cargos que era possível exercer no Serviço Nacional de Saúde, de chefe de serviço a director clínico de um hospital, de presidente de uma administração regional de saúde à própria emergência médica, não terá resistido a si próprio. Combater a corrupção é uma doença que justifica todos os meios.