O Papa secular
Gladwyn Jebb, o primeiro representante permanente do Reino Unido na Organização das Nações Unidas, definiu o seu Secretário-Geral como um “Papa secular”.
O bon mot do diplomata britânico ganhou um novo significado quando o próximo Presidente dos Estados Unidos anunciou que vai desistir do modelo multilateral de ordenamento da sociedade internacional inventado pelos seus antecessores mais ilustres, como Woodrow Wilson ou Franklin Roosevelt. Nesse sentido, Donald Trump prepara-se para assumir funções despido das suas roupagens civilizadas, que servem para legitimar a República imperial como a “nação indispensável”, garante da paz e da segurança internacional. A sua intenção declarada é defender o primado dos interesses nacionais dos Estados Unidos e ser um “homem forte” que decide os problemas mundiais com outros “homens fortes” à frente das grandes potências.
A revelação inédita do estatuto hobbesiano do “chefe do mundo livre” vai exigir um “anti-Trump”, cujo lugar natural é o do Secretário-Geral das Nações Unidas, o “Papa secular” que tem a obrigação de defender uma visão progressista e o consenso liberal internacionalista. Esse consenso é indispensável para sustentar uma sociedade de Estados que respeita o direito e as instituições e para reconhecer que os interesses comuns da paz e da segurança internacional devem limitar a defesa dos interesses nacionais dos Estados.
Na sua posse António Guterres confirmou que o novo Secretário-Geral das Nações Unidas vai ser o porta-voz dos valores da ordem democrática internacional contra o nacionalismo reaccionário e populista que domina as políticas da maioria dos membros permanentes do Conselho de Segurança, incluindo, pela primeira vez, os Estados Unidos.
O novo sistema mundial pode reconfigurar-se como um sistema neo-medieval, em que a tensão entre o Imperador germânico e o Papa romano é substituida pela dialéctica entre o Presidente dos Estados Unidos e o Secretário-Geral das Nações Unidas.
Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI-UNL)