Redes de prostituição e pornografia entre os perigos
Cada vez mais tribunais avisados de que medidas de protecção não são adequadas.
Já houve uma época em que a prostituição de rapazes era visível nalguns pontos da cidade de Lisboa. As equipas de rua, como as cinco do Projecto Rua do Instituto de Apoio à Criança (IAC), identificavam essas situações.
Os tempos mudaram. “Não temos visto meninos, não têm sido tão detectados, mas não quer dizer que não existam situações dessas”, diz Conceição Alves, coordenadora da equipa de rua. “A prostituição de rapazes está cada vez mais camuflada. Hoje em dia, se eu quiser combinar para fazer alguma coisa ilícita, não tenho que me mostrar muito. Antes era preciso estar nos sítios” da cidade — como a Rua Artilharia 1 ou o Parque Eduardo VII, diz a responsável. A Internet facilita esses contactos. O que acontece é que, se alguma dessas actividades é denunciada, a polícia reforça a presença.
Esses perigos estão muitas vezes presentes, mas são difíceis de quantificar, diz o chefe João Dias, da 1.ª Divisão de Lisboa da Polícia de Segurança pública (PSP). A institucionalização acontece quando “é no superior interesse da criança que ela seja institucionalizada”, lembra. “E isso devia garantir a sua protecção.”
Sempre que uma criança em situação de acolhimento “é interceptada num estabelecimento de diversão nocturna, a furtar, a roubar, ou na rua em horas impróprias, avisamos o Tribunal de Família e Menores de que a medida de promoção e protecção não está a surtir efeito”, explica o responsável. “O problema tem aumentado no último ano e meio, ou dois anos."
O número de queixas por desaparecimento de crianças e jovens das residências tem aumentado, mas também, no último ano, a frequência dos avisos ao tribunal de que uma medida de promoção e protecção “não está a surtir efeito” e de que esse jovem estará "a colocar em perigo as restantes crianças", ao influenciá-las "a adoptarem comportamentos desviantes também”.
Jovens que desaparecem
“O tribunal regista, mas isso é formal”, diz, por seu lado, Rui Godinho, psicólogo e director de Infância e Juventude da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. A participação do desaparecimento dos responsáveis de turno nas residências para a PSP funcionam, em geral, bem e de forma célere. Formalmente, os procedimentos são bem seguidos por todos e bem recebidos pela PSP.
O tribunal onde corre o processo de promoção e protecção da criança ou o processo tutelar educativo — no caso de a criança ter cometido um acto qualificado de crime — é informado. Mas o facto de os procedimentos formais serem cumpridos não significa que o problema fique resolvido.
“São crianças confiadas ao Estado e com esse tipo de crianças nós não podemos ter esse tipo de facilidade”, diz Rui Godinho. Uma criança foge, o educador faz a participação, a PSP toma nota e, nalguns casos, procura a criança, quando há indícios de onde ela possa estar. Quando não há, espera-se que regresse.
“Há miúdos que nunca mais aparecem”, acrescenta. Quando era director da Casa da Alameda, lembra-se de um caso em particular. Um rapaz. “Estive três anos sem o ver. Informámos o tribunal.” Três anos depois, soube dele. O rapaz tinha desaparecido e depois emigrado. Estava de regresso a Lisboa, e estava bem. Encontrara emprego, casara e já era pai.
“Se o jovem começa a fugir regularmente, pode ser levado a situações de perigo. Ou não. Mas não podemos desistir deles”, conclui. “Nalguns casos, são jovens que já passaram por cinco ou seis casas [de acolhimento] e, com isso, criaram uma fobia da instituição.”
Os comportamentos "de carácter sexualizado, a agressividade, a violência, o absentismo escolar são associados a crianças que foram privadas de um meio familiar estruturado", acrescenta Sandra Veiga. “Felizmente, temos muitos jovens que deram a volta por cima, que estão equilibrados e bem integrados, que ganharam prémios de mérito da Casa Pia. São miúdos que ainda nos procuram, para mostrar o bebé, ou a mulher, ou o carro.”