Parlamento abre processo de destituição da Presidente sul-coreana

Park Geun-hye, envolvida num escândalo de corrupção, não teve apoio do seu partido.

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Park foi a primeira líder eleita da Coreia do Sul a ser obrigada a deixar o cargo Lee Jae-Won/Reuters

O Parlamento sul-coreano votou esmagadoramente a favor da abertura de um processo de destituição da Presidente Park Geun-hye. Park não foi sequer poupada pelos deputados do seu próprio partido, e pode tornar-se na primeira líder eleita da Coreia do Sul a ser obrigada a deixar o cargo.

Pouco depois da votação na Assembleia, Park desculpou-se pelo “caos” político em que o país mergulhou. “Lamento imenso ter criado o caos nacional pela minha negligência, numa altura em que o nosso país enfrenta tantas dificuldades, da economia à defesa nacional”, afirmou a Presidente num discurso transmitido pela televisão e citado pela AFP.

O processo foi desencadeado depois de um escândalo de corrupção que tem levado semanalmente largos milhares de pessoas à rua em protesto e paralisou o Governo. O Parlamento também foi expressivo na sua decisão: houve 234 votos a favor e 56 contra a destituição. Era necessário que pelo menos 200 dos 300 deputados votassem favoravelmente, mas este resultado mostra que vários membros do Partido Saenuri, de Park, apoiaram a saída da Presidente. Agora, o poder executivo será transferido para o primeiro-ministro, Hwang Kyo-ahn, enquanto o Tribunal Constitucional decide se mantém ou não a moção – um processo que poderá durar 180 dias.

O mandato de cinco anos de Park deveria terminar apenas em Fevereiro de 2018. Mas há seis semanas que todos os sábados a capital se enche de gente a exigir a sua demissão, com velas na mão – o jornal Korea Herald chamou-lhe a “Revolução das Velas”. “A destituição parlamentar não teria acontecido se os cidadãos não tivessem acendido as suas velas”, afirmou àquele diário Moon Jae-in, do Partido Democrata da Coreia, a principal força da oposição. “Os sul-coreanos estão a escrever hoje um novo capítulo da sua história, com as velas. A destituição parlamentar de Park é o início de uma grande revolução civil das ‘velas’ que irá levar o nosso país a um futuro melhor”.

Uma sondagem da Gallup Korea publicada esta sexta-feira mostra que a Presidente tem apenas 5% do apoio dos sul-coreanos.

O epicentro do processo reside na relação de Park com Choi Soon-il, sua amiga há décadas. Choi está a ser investigada por enriquecimento ilícito, alegadamente favorecido pela influência que exercia junto da Presidente. Park terá dado a Choi acesso aos seus discursos durante os primeiros meses da presidência – e pediu publicamente desculpas por isso, justificando que apenas aconteceu enquanto não tinha a sua equipa de conselheiros formada. Segundo a imprensa local, Choi terá também tido acesso a documentos presidenciais, diplomáticos e militares confidenciais.

As desculpas apresentadas por Park não foram suficientes para apagar as suspeitas de que terá favorecido a sua amiga e antiga assessora, alegadamente pressionando grandes empresas a fazer donativos para duas fundações próximas de Choi – algo que Park nega. Os funcionários da administração presidencial terão conseguido juntar 80 mil milhões de won (63 milhões de euros).

A contestação à Presidente foi crescendo. A primeira manifestação, a 29 de Outubro, juntou 30 mil pessoas, que exigiam saber a verdade sobre o que se passara. Na segunda semana, havia 200 mil na praça Gwanghwamu, em Seul, a exigir a sua saída. A 12 de Novembro, eram já um milhão – a maior manifestação desde a democratização do país, no final da década de 80, recorda o Herald.

A destituição faz com que Park perca a imunidade presidencial e possa ser julgada por abuso de poder e suborno, entre outras acusações, refere a Reuters. 

As relações entre o poder e os grupos económicos são tradicionalmente promíscuas na Coreia do Sul. Desde as primeiras eleições livres, em 1987, que todos os presidentes tiveram de responder, depois do seu mandato, a acusações de corrupção relacionadas com as relações com os seus próximos –  mas nunca enquanto o exerciam, refere a AFP. Roh Moo-Hyun, que governou entre 2003 e 2008, suicidou-se em 2009 depois de acusações que recaíram sobre a mulher e a sobrinha.

Mas Park, a primeira mulher a ocupar a Casa Azul, foi eleita também com base na expectativa de que iria “limpar” o Governo. Filha de Park Chung-hee, responsável pela industrialização da Coreia do Sul e um ditador que esteve quase 18 anos no poder, substitui a mãe como primeira-dama quando esta foi assassinada, em 1974. Em 1979, era o pai que era morto por uma bala disparada pelo chefe dos serviços secretos. Park Geun-hye não tem pais, marido, filhos, não mantém relação com os seus irmãos, e acreditava-se por isso que fosse imune ao nepotismo, adianta a agência francesa. “Não tenho família para tomar conta, nem filho que herde os meus bens”, disse em campanha, em 2012. “Vou dedicar-me à nação e ao povo”.

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