Contratos suspeitos levam Judiciária a fazer buscas na Misericórdia de Lisboa

Inquérito investiga alegadas violações das regras da contratação pública com o intuito de favorecer empresas ligadas a trabalhadores e órgãos da Santa Casa.

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Investigadores da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ estão a fazer buscas na Santa Casa de Lisboa. Vitor Cid

A Polícia Judiciária realizou buscas nesta quarta-feira na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, no âmbito de um inquérito que investiga alegadas violações das regras da contratação pública com o intuito de favorecer determinadas empresas, confirmou ao PÚBLICO fonte daquela polícia. 

Os investigadores da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ, onde corre o processo, suspeitam que várias despesas da instituição foram fraccionadas para possibilitar o recurso ao ajuste directo com o objectivo de favorecer determinadas sociedades. Dona de um vasto património imobiliário, a Misericórdia de Lisboa terá arranjado forma de contornar a lei na adjudicação de dezenas de empreitadas.

Segundo uma nota informativa da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, a investigação visa suspeitas de aquisição de bens e serviços, "com recurso a contratação por ajuste directo de empresas com relações a trabalhadores e órgãos da Santa Casa, beneficiando indevidamente aquelas e estes, em detrimento das regras que presidem ao regular funcionamento do mercado".

"Em causa estão factos susceptíveis de integrar a prática de crime de participação económica em negócio", esclarece a mesma nota, acrescentando que o inquérito não tem arguidos constituídos e se encontra em segredo de justiça. O crime em causa é punível com pena de prisão até cinco anos. 

Participaram na operação dois magistrados do Ministério Público, mais de quatro dezenas de elementos da Judiciária e oito peritos da unidade de perícia financeira e contabilística e da unidade de tecnologia e informação desta polícia.  A investigação está a cargo do procurador Hugo Neto, da nona secção do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, e deu origem a nove buscas domiciliárias, duas buscas a local de trabalho de advogado e quatro não domiciliárias. Surgiu na sequência de uma averiguação preventiva do Ministério Público destinada a apurar se havia indícios suficientes de crimes para abrir uma investigação. A averiguação estava já a decorrer quando o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social enviou para o DIAP os resultados de uma auditoria feita pelos seus serviços inspectivos ao primeiro mandato de Santana Lopes, como provedor da Santa Casa, e focada precisamente na aquisição de serviços, bens e empreitadas.

Os dirigentes da instituição muniram-se de pareceres de três eminentes juristas  — Esteves de Oliveira, Sérvulo Correia e Eduardo Paz Ferreira  — para justificar a legalidade de várias contratações.

Ajustes directos e concursos públicos

Tal como o PÚBLICO noticiou há dois anos, levantou suspeitas o facto de empresas ligadas a um conhecido militante do PSD de Lisboa, Fernando Catarino, terem ganho, ao longo de três anos, um lugar significativo entre os fornecedores da instituição na área da saúde. Em causa estava a celebração de 18 contratos, quase todos por ajuste directo, no valor de dois milhões de euros, com uma dezena de empresas com nomes diferentes, mas ligadas às mesmas pessoas  — que venderam simultaneamente serviços de telecomunicações, fraldas descartáveis e mobiliário à instituição.

Os factos remontam a uma altura em que Santana Lopes já se encontrava à frente da Misericórdia de Lisboa. Tanto o provedor como os restantes membros da mesa, o órgão que administra a instituição, são nomeados pelo Governo. Na sequência das notícias do PÚBLICO foi aberto um inquérito interno e instituídas, pela própria Santa Casa, regras mais apertadas não só para a aquisição de bens e serviços, como para a adjudicação de empreitadas. "Havia várias empresas que concorriam com nomes diferentes [aos concursos lançados pela Santa Casa], sendo os mesmos indivíduos. Quando detectámos isso demos ordens para passarem a ser pedidas certidões das firmas, para não voltar a acontecer", admitiu Santana Lopes ao final do dia de hoje. 

Depois de terem estado de manhã cedo em Algés na casa de uma das administradoras da Santa Casa, Helena Lopes da Costa, os inspectores da Judiciária dirigiram-se à sede da instituição, junto ao Bairro Alto, onde ainda permaneciam até há pouco. Pediram para ver processos relacionados com ajustes directos efectuados entre 2012 e 2014, mas também com concursos públicos realizados mais recentemente, em 2015 e 2016. "Há funcionários que ainda não conseguiram ir almoçar para lhes darem a documentação", contava a meio da tarde fonte da instituição. Numa nota oficial, a administração da Misericórdia de Lisboa refere ter dado orientações aos seus serviços para colaborarem com as autoridades.

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