Luaty Beirão diz que detenção de activistas foi "tiro no pé" do regime angolano

Luso-angolano considera que o Governo angolano teve um orgulho maior do que a sua capacidade de raciocínio e que não se apercebeu da visibilidade do caso.

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O activista está em Portugal a apresentar o seu livro Sérgio Afonso/Arquivo

O activista luso-angolano Luaty Beirão considera que a detenção do grupo de activistas angolanos durante um ano foi "um tiro no pé" das autoridades porque teve repercussão global.

"Nós apercebemo-nos, assim que fomos detidos e que aquilo era para durar algum tempo, que o regime no fundo estava a dar mais um tiro no pé", disse Luaty Beirão, em entrevista à Lusa.

"No fundo é estranho que eles próprios não se apercebam disso, ou se se apercebem, o orgulho deles é maior que a capacidade de raciocínio", resume o activista, que se mostrou surpreendido com a visibilidade do caso.

Segundo o activista, no momento da detenção, em Junho de 2015, o grupo apercebeu-se que o caso "haveria de fazer algumas ondas", mas nunca pensaram "que fossem tsunamis", afirma, salientando que essa visibilidade foi útil para aquilo que defendem: "nós vivemos num pais onde existe uma máscara, existe uma fachada de democracia, que está formalizada com a Constituição e as leis ordinárias, mas na prática não se vive".

A detenção e condenação dos activistas permitiu "dar provas e evidências" disso mesmo, diz Luaty Beirão, que considera a acção dos activistas um "pequeno passo" para ajudar à liberdade no país.

"Queremos que os direitos sejam usufruídos e a partir do momento em que isso começar a acontecer, as mecânicas vão mudar e as coisas irão ajustando-se aos poucos", diz, rejeitando que a cidadania esteja circunscrita à acção pelos partidos políticos.

"Sempre fui muito desconfiado em relação à política como ciência e aos políticos que fazem da política profissão", justifica o luso-angolano. Em Lisboa, onde está a promover o seu livro "Sou eu mais livre, então. Diário de um preso político angolano", Luaty Beirão mostra-se empenhado na luta contra o regime angolano.

O livro é um relato "sincero" do que viveu durante 13 dias de prisão, exactamente como foi escrito na origem, com desenhos, letras de música, listas de pedidos aos guardas ou outros pensamentos mais avulsos.

"Quando estava a escrever o diário não estava a pensar que isto ia ser um livro, transcrevi o que estava no caderno tal e qual", mas foi "critério da editora" [Tinta da China] manter o original, explica. Escritor e músico, Luaty Beirão ainda não fez uma música que evoque a experiência da prisão. “Tenho coisas pensadas, mas não fiz nada”, diz.

"Todo o nosso processo foi ao arrepio da lei"

O activista luso-angolano Luaty Beirão foi ouvido por um grupo de trabalho da ONU sobre a detenção de activistas em Angola, um processo que o próprio considera hoje ter sido "ao arrepio da lei" e mostrou-se sensibilizado com a repercussão do caso na comunidade internacional. "Não estava à espera que chegasse tão longe", diz.

Ouvido no grupo de trabalho sobre detenções arbitrárias das Nações Unidas, Luaty Beirão explicou o processo em que foram detidos os activistas e as acusações iniciais de actos preparatórios para um atentado ao Presidente, José Eduardo dos Santos, e outros governantes.

Os elementos do grupo de trabalho "estiveram a trabalhar" no caso dos activistas e "queriam ouvir a voz de uma das vítimas", explica Luaty Beirão.

A maior parte dos 17 jovens activistas foram detidos a 20 de Junho de 2015 numa operação da polícia em Luanda e acabaram condenados a penas de prisão efectiva entre dois anos e três meses e oito anos e seis meses, por actos preparatórios para uma rebelião e associação de malfeitores. Começaram de imediato a cumprir pena, apesar dos recursos interpostos no mesmo dia pela defesa.

Luaty Beirão foi condenado neste processo a uma pena total de cinco anos e meio de cadeia, enquanto o professor universitário Domingos da Cruz, autor do livro que o grupo utilizava nas suas reuniões semanais para discutir política, viu o tribunal aplicar-lhe uma condenação de oito anos e meio, por também ser o suposto líder "da associação de malfeitores".

Agora, Luaty Beirão espera que este caso jurídico faça o seu "caminho" e ajude a sensibilizar as organizações internacionais para os problemas de Angola no que respeita à liberdade de expressão.