Após cinco semanas de polémica, António Domingues demitiu-se da Caixa
O gestor escolhido pelo Governo abandonou o cargo depois de aprovada uma lei que o obrigaria a apresentar a declaração de património ao Tribunal Constitucional. Ministério das Finanças lamenta. Marques Mendes revela diligências para tentar evitar a saída.
António Domingues demitiu-se da presidência da Caixa Geral de Depósitos (CGD), já perto do limite temporal para que contestasse a necessidade de apresentar a declaração de património junto do Tribunal Constitucional (TC), apurou o PÚBLICO junto de fonte governamental.
Domingues apresentou a sua carta de demissão logo a seguir à aprovação, pelo Parlamento, de uma alteração legislativa, com votos do PSD, CDS e Bloco de Esquerda, que obrigaria sempre a administração a entregar essas declarações – um diploma que teve voto contra do PS e do PCP. Segundo soube o PÚBLICO, Domingues não hesitou na demissão por considerar a mudança na lei ofensiva e lesiva da autonomia da CGD.
O Ministério das Finanças já emitiu um comunicado, confirmando ter aceite a demissão. "O Governo foi informado pelo Presidente do Conselho Fiscal da Caixa Geral de Depósitos da renúncia apresentada pelo Presidente do Conselho de Administração (CA), António Domingues. Renúncia essa que o Governo lamenta", lê-se no comunicado.
"A renúncia só produzirá efeitos no final do mês de Dezembro. Muito brevemente, será designada, para apreciação por parte do Single Supervisory Mechanism, uma personalidade para o exercício de funções como Presidente do Conselho de Administração da CGD, que dê continuidade aos planos de negócios e de recapitalização já aprovados", acrescenta o Ministério das Finanças.
Nos últimos dias, vários jornais deram conta de que Domingues aceitaria rever a sua posição, baseada num compromisso assumido com o Governo antes de aceitar o cargo e de convidar várias pessoas para que integrassem a sua administração.
Marcelo Rebelo de Sousa já estaria a par da decisão de Domingues quando este domingo à tarde, no Porto, apontou a estabilização do sistema financeiro como um processo complicado, mas prioritário: "É difícil, aparecem obstáculos quando menos se espera, aparecem contratempos, os mais inesperados, uns dias de manhã, outros dias à tarde, outros à noite ou à noitinha, mas o que o importa é que no dia seguinte é preciso acordar e continuar o caminho, com determinação, sabendo exactamente que é uma prioridade nacional". E a prioridade, já o disse várias vezes, é a recapitalização do banco público.
Ainda não são conhecidos os motivos invocados por Domingues no pedido de demissão, mas ela acontece depois de cinco semanas de polémica por causa da obrigatoriedade da apresentação das declarações de rendimentos no TC, e nove dias depois do Governo ter adiado a recapitalização do banco público. A participação de Domingues nas negociações, em Bruxelas, da recapitalização da CGD num momento em que ainda era administrador do BPI foi a mais recente controvérsia política envolvendo o ainda presidente da Caixa.
Certo é que, mesmo renunciando ao cargo, todos os administradores da CGD poderão ser obrigados pelo TC a apresentar duas declarações de rendimentos e património, uma relativa ao início de funções e outra reportada ao dia em que as cessam. De acordo com a lei 4/83, relativa ao controlo de riqueza dos políticos e altos cargos públicos, quem não cumpra estas obrigações pode ser condenado a perda de mandato, ou inibição de funções que obriguem à apresentação destas declarações por um período de um a cinco anos, se já não estiver no cargo.
PS tentou que o BE mudasse de ideias, diz Mendes
Luís Marques Mendes, o comentador da SIC que há cinco semanas lançou publicamente a questão das declarações de rendimentos, afirmou neste domingo que a decisão de Domingues era conhecida do Governo já na sexta-feira, e que só não foi anunciada porque houve várias tentativas para o demover. "Entre sexta-feira e hoje houve várias tentantivas e diligências para ver se recuava na decisão", afirmou o conselheiro de Estado.
No seu comentário semanal no Jornal da Noite da estação de Carnaxide, Marques Mendes afirmou que a gota de água foi mesmo a aprovação, na quinta-feira, na votação na especialidade do Orçamento do Estado, de uma norma que obriga os gestores da Caixa a apresentarem a declaração de rendimentos. Isso retirou margem de manobra aos administradores para contestarem junto do Tribunal Constitucional a obrigatoriedade daquele dever de transparência.
Segundo explicou o ex-líder do PSD, António Domingues informou logo na quinta-feira que se iria demitir na sequência daquela aprovação, e por isso o PS forçou uma segunda votação - avocando a norma ao plenário - para tentar demover o BE de votar ao lado do PSD e do CDS. Se o conseguisse, a norma chumbava, uma vez que PS, PCP e PEV votaram contra. Mas não foi bem sucedido.
Aliás, foi devido a essa avocação que se verificou uma altercação no plenário na sexta-feira de manhã, quando o secretário de Estado Adjunto do Tesouro e Finanças acusou o deputado do PSD António Leitão Amaro de estar com uma “disfuncionalidade cognitiva temporária”, o que gerou um coro de protestos na bancada social-democrata e obrigou Mourinho Félix a um pedido de desculpas. Agora percebe-se melhor o nervosismo na bancada do Governo.
"Pelo que sei, se um dia houvesse uma comissão de inquérito parlamentar para apurar as responsabilidades neste caso, muita gente saía mal na fotografia", acrescentou o ex-líder do PSD, sem esclarecer a quem se referia e porquê. Marques Mendes apontou, no entanto, três momentos deste processo que não deviam ter acontecido: o pedido de escusa no cumprimento da obrigação junto do Tribunal Constitucional por parte de António Domingues, a aceitação dessa condição por parte do Governo, e por fim outra vez do administrador da Caixa, por ter "demorado uma eternidade" a pôr fim à polémica.
"Andou mal o Governo, que nunca devia ter permitido criar essa expectativa [de dispensa de apresentação das declarações], andou mal António Domingues, que demorou uma eternidade a tomar uma decisão", avaliou Marques Mendes.
Agora, defende, "é preciso rapidez, que o Governo escolha uma administração que tenha uma matriz profissional e deixar bem claro que não há que ter receios sobre o processo de recapitalização da CGD, porque o plano não está indexado a esta equipa".