Há menos enfermeiros a emigrar. Reino Unido continua a ser principal destino
Portugueses no Reino Unido não têm razões para estar preocupados. Hospitais querem que eles fiquem no pais.
Este ano, há menos enfermeiros a pedir a documentação necessária para emigrar, o êxodo desacelerou, mas o Reino Unido continua a ser o principal destino daqueles que pretendem ir trabalhar para o estrangeiro, apesar da anunciada saída do país da União Europeia. Nos primeiros seis meses deste ano, a Ordem dos Enfermeiros (OE) recebeu 730 pedidos dos certificados de equivalência necessários para poderem exercer noutro país, substancialmente menos do que em idênticos períodos de anos anteriores.
Mas as empresas de recrutamento britânicas continuam a vir a Portugal à procura de profissionais qualificados, como uma breve ronda pelos anúncios disponíveis na Internet permite perceber.
Se a perspectiva do "Brexit" poderá estar a afectar de alguma forma o movimento de ida, para os enfermeiros que trabalham no Reino Unido não se prevê que a situação piore num futuro próximo. Pelo contrário. Sem explicações para a quebra na intenção de emigrar revelada neste primeiro semestre, a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, chegou esta semana do Reino Unido com boas notícias para os profissionais que lá trabalham.
Garante a bastonária que há hospitais que estão a oferecer cargos de chefia ou salários mais elevados para evitar que os enfermeiros abandonem o país e que o Royal College of Nurses aconselha mesmo os que lá vivem há mais de cinco anos a pedirem a nacionalidade britânica. Sublinhando que há 5800 enfermeiros portugueses só em Londres — dados não corroborados pelo Observatório da Emigração —, Ana Rita Cavaco frisa que, "independentemente daquilo que o Governo inglês possa pensar, os hospitais não querem que os estrangeiros venham embora”.
Além da oferta de postos de chefia e remunerações mais elevadas, os hospitais terão também instituído uma prática para evitar eventuais insultos e práticas discriminatórias. "Se algum enfermeiro se sentir intimidado e se queixar de um colega, este será fortemente sancionado”, assegura a bastonária, que lamenta não poder trazer para Portugal os profissionais que "tanta falta cá fazem".
Mais de 13 mil pedir certificado à Ordem
"Gostava de chegar a Inglaterra e fretar aviões para poder trazê-los para Portugal”, confessa Ana Rita Cavaco. É que, reafirma, "faltam no país cerca de 30 mil enfermeiros" e o Governo não está a contratar profissionais ao ritmo necessário. "Queremos que a emigração seja uma escolha e não uma obrigação", afirma. E lembra que nem tudo são rosas e os emigrantes enfrentam muitas dificuldades: “Deixam a família e os amigos para trás. Não é bem como se pensa, Londres é uma cidade muito cara."
Considerando todos os países de emigração, no total, desde 2011 até ao final do primeiro semestre deste ano, foram 13 400 os licenciados que pediram à OE o certificado de equivalência de que necessitam para poderem exercer noutro país. Em 2012 e 2015 foram perto de três mil por ano.
A maior parte dos enfermeiros portugueses que vivem no Reino Unido não deverão regressar a Portugal, apesar do Brexit, acredita também Cláudia Pereira, investigadora do Observatório de Emigração que coordenou a obra Vidas partidas — Enfermeiros Portugueses no Estrangeiro, lançada em 2015.
Confrontada com as propostas de cargos de chefia e de aumento de remunerações, Cláudia Pereira não se mostra surpreendida. Frisa até que isso já era práitica habitual porque a classificação dos hospitais depende muito das qualificações dos seus profissionais. Relativamente aos pedidos de nacionalidade, nota igualmente que já se tornou uma prática habitual para muitos portugueses com mais de cinco anos de residência.
De resto, os enfermeiros — e Cláudia Pereira falou com vários já depois do referendo — "têm clara consciência de que os hospitais precisam deles". Para as autoridades inglesas, continua a ser mais barato ir recrutar profissionais fora e os estrangeiros agradecem. "Nem é tanto pelo dinheiro que os portugueses optam por emigrar. Sentem-se reconhecidos, conseguem exercer práticas que cá são exclusivas dos médicos", acentua.
Reagindo às declarações da bastonária, o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) aproveitou para destacar, em comunicado, que enquanto em Inglaterra há "reconhecimento" dos enfermeiros, em Portugal o que existe é “desvalorização”. Porquê? Guadalupe Simões, do SEP, prefere avançar com números para explicar a ideia. Apesar de o último balanço social do Ministério da Saúde apontar para cerca de 2700 entradas de enfermeiros este ano no Serviço Nacional de Saúde (SNS), apenas 600 são contratos por tempo indeterminado, diz. Os outros estão em regime de substituição, lamenta.
Quanto aos profissionais que residem em Inglaterra, a dirigente sindical não vê também que haja razões para preocupação. "Os ingleses viram na emigração a possibilidade de diminuírem os custos com a formação nas suas escolas", recorda.
Apesar de a necessidade de interromper o fluxo migratório e garantir os empregos dos britânicos ter sido uma das bandeiras da campanha pela saída do Reino Unido da União Europeia, no sector da saúde o peso dos estrangeiros atingiu uma tal dimensão que agora não é possível alterar a situação de forma rápida.
Num relatório divulgado em Outubro passado, o Royal College of Nurses alertava que metade de todos os enfermeiros a trabalhar no NHS têm actualmente 45 ou mais anos e destacava a dependência dos serviços públicos dos trabalhadores estrangeiros. Quatro em cada 10 enfermeiros são agora estrangeiros, quando, há uma década, apenas um em cada dez não eram britânicos. "As tendências apontadas neste relatório fazem antever uma tempestade perfeita”, avisou Janet Davies, secretária-geral do RCN.