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Saída de Martin Schulz do Parlamento Europeu será o início de reviravolta na UE?

Equilíbrio de forças entre Socialistas e Partido Popular Europeu obrigará a renegociar cargos dirigentes das instituições europeias. Até a posição de Juncker está em causa.

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Martin Schulz presidia ao Parlamento Europeu desde 2012 Yves Herman/REUTERS

Após meses de rumores, o alemão Martin Schulz anunciou que não se recandidatará pela terceira vez a presidente do Parlamento Europeu, em Janeiro, quando terminar o seu mandato. Sai para tentar a sorte na política alemã, em que se lhe auguram altos voos – quem sabe até uma candidatura ao lugar de chanceler. Mas a sua retirada do palco europeu pode baralhar de forma radical a direcção das instituições europeias.

"Não foi uma decisão fácil de tomar”, disse nesta quinta-feira um emocionado Martin Schulz em Bruxelas. “Esforcei-me por tornar mais forte e mais visível a política europeia, mas também por tornar o Parlamento Europeu mais influente, porque é a única instituição europeia eleita directamente.”

Schulz é presidente do Parlamento Europeu (PE) desde 2012, nunca outro político ocupou tanto tempo o cargo. Mas a sua tendência para “estar sempre na foto” irritava alguns eurodeputados, até alguns da sua família política e de outras esquerdas, que o acusam de ter abafado o debate democrático.

“Surpreendia-me se ele se candidatasse a um terceiro mandato, porque isso nunca aconteceu na história do PE. Nas instituições europeias, os cargos decorrem de um acordo entre famílias políticas. Entre eles, distribuem os cargos como se distribuem bónus”, disse à Lusa Marisa Matias, eurodeputada do Bloco de Esquerda.

Europeísta convicto, Martin Schulz foi também um partidário da “grande coligação” entre esquerda e direita, no caso da colaboração entre o Partido Popular Europeu (PPE) e o grupo dos Socialistas e Democratas (S&D), as duas forças dominantes do Parlamento Europeu, para impedir que os populistas ganhem voz.

“A minha avaliação é mais positiva que negativa. Esteve muitas vezes além do que foi o seu mandato quando assumiu unilateralmente posições em nome do Parlamento”, sublinhou Marisa Matias. A eurodeputada lembrou a negociação difícil entre o governo local da Valónia (Bélgica) e os governos europeus sobre o acordo comercial com o Canadá. “Martin Schulz fez pressões inacreditáveis, públicas, sobre o primeiro-ministro da Valónia, e a sua posição passou a ser a do PE. Muitas vezes minou o papel normal do Parlamento Europeu”, sustentou.

O acordo

Ao sair, Schulz cumpre a tradição de cada legislatura de cinco anos dividir a presidência do PE em duas partes de 30 meses, para a partilhar pelo PPE e pelos socialistas. Em Janeiro, Schulz devia dar lugar a um presidente do PPE, eleito pelos eurodeputados.

Essa tradição era reforçada por um acordo assinado após as eleições europeias, em 2014, que deram um empate virtual entre o Partido Popular Europeu e os Socialistas. Schulz obtinha um terceiro mandato, mas sairia a meio da legislatura, para dar lugar ao PPE.

Só que, embora não se conheça o conteúdo desse acordo, sublinha o Politico, este foi assinado em circunstâncias diferentes daquelas em que se veio a cristalizar a cúpula dirigente da União Europeia. Nessa altura, a favorita para ser presidente do Conselho Europeu era a ex-primeira-ministra dinamarquesa social-democrata Helle Thorning-Schmidt, o que faria com que durante os primeiros dois anos e meio da legislatura, duas das três instituições europeias fossem dirigidas por socialistas. Mas quem veio a assumir o cargo foi o ex-primeiro-ministro polaco, Donald Tusk, que pertence ao PPE – o equilíbrio de poderes foi exactamente ao contrário.

“Se o próximo presidente do Parlamento Europeu sair da bancada do PPE, terá que haver uma reorganização” nas outras duas instituições políticas – Comissão Europeia e Conselho Europeu, liderados por políticos do PPE, Jean-Claude Juncker e Donald Tusk”, afirmou o eurodeputado socialista Carlos Zorrinho. Se não, todas as instâncias de poder europeias ficariam nas mãos do PPE.

Mesmo assim, o eurodeputado social-democrata Paulo Rangel, que faz parte da família política do PPE, defende que deve ser a sua família política a ocupar a presidência do Parlamento Europeu. Mas também concorda que a saída de Schulz pode criar ondas de choque no topo das outras instituições: “O natural é que haja uma rotatividade no Parlamento, mas não tenho dúvidas de que isso vai provocar alguma instabilidade a nível do Conselho e portanto, quando chegar a altura, lá para o fim do primeiro semestre, essa questão vai-se pôr de uma forma candente”, disse à Lusa.

Juncker em perigo?

Jean-Claude Juncker tem um mandato até Outubro de 2019 e trabalhava muito bem com Schulz – terá até ameaçado demitir-se se o alemão saísse da presidência do Parlamento Europeu. Mas a sua actuação na presidência da Comissão tem sido muito criticada – e a chanceler alemã Angela Merkel já não o apoia. Os países da Europa Central, que se recusam a receber refugiados e imigrantes, têm-no sob fogo. E depois do “Brexit”, redobraram os apelos à sua demissão.

Quanto ao presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, o seu mandato de 30 meses expira em Maio. A Polónia, onde estão no poder os seus rivais políticos (são ultra-conservadores), não apoia a sua continuação. Tusk ainda não revelou quais os seus planos.

No meio destas incertezas, há já vários candidatos do PPE à presidência do Parlamento, embora nenhum arrase a concorrência. O italiano Antonio Tajani, ex-comissário da Indústria, é próximo de Silvio Berlusconi e foi durante o seu mandato que foi revelado o escândalo das emissões poluentes escondidas pela Volkswagen; a irlandesa Maired McGuiness tem boa reputação em Estrasburgo, diz o Le Monde, mas muitos inquietam-se por senti-la próxima dos interesses britânicos, na perspectiva do “Brexit”; o francês Alain Lamassoure é um moderado, mas não tem o apoio de todos os eurodeputados franceses e, sobretudo dos alemães.

Já Manfred Weber, o jovem alemão líder do grupo parlamentar do PPE (44 anos), não se declarou candidato. Mas o eurodeputado da CSU (o partido irmão da CDU de Merkel na Baviera) seria bem visto se avançasse. 

 

 

 

 

 

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