Erdogan a um passo de criar um regime presidencialista na Turquia
Parlamento Europeu vota para suspender negociações de adesão da Turquia à UE. Mas a Comissão Europeia e os líderes europeus não querem interromper os contactos com Ancara.
O Presidente Recep Erdogan continua a avançar com os planos de alteração da Constituição para transformar a Turquia num regime presidencial, que concentrará nas suas mãos muito mais poder do que tem agora – num momento em que se avolumam as preocupações com a sua deriva autoritária.
As negociações do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), de Erdogan, com o Partido do Movimento Nacional (MHP), uma formação de extrema-direita, parecem estar a correr de forma excelente: segundo o Daily Sabah, um jornal turco perfeitamente alinhado com o Governo, a proposta que neste momento está a ser ultimada em comissão parlamentar pode ir a plenário já na próxima semana.
As mudanças que têm sido tornadas públicas revelam um sistema centrado no Presidente, bastante inspirado pelo norte-americano. Deixa de haver primeiro-ministro e as iniciativas legislativas têm de vir do Parlamento (unicameral) e não do Governo. Os ministros não podem ser deputados, e o Presidente pode (deve?) ser de um partido político. “Quando um Presidente abandona os laços com o partido, perde-se eficácia política e a estrutura política activa”, afirmou Erdogan numa visita recente ao Paquistão, citado pelo Daily Sabah.
O AKP tem 316 deputados e o MHP 40; não são suficientes para aprovar directamente a nova Constituição, já que os outros partidos votariam contra. Mas se o Governo obtiver entre 330 e 366 votos, a proposta de alteração constitucional pode seguir para referendo – que poderá realizar-se em Abril, segundo o calendário normalmente apontado. O AKP cita sondagens dizendo que 65% dos turcos aprovam estas mudanças.
Só estão previstas eleições presidenciais em 2019. Mas os planos do AKP são que Erdogan assuma os novos poderes presidenciais logo a seguir ao referendo, sem que se realizem eleições antecipadas.
Eurodeputados querem interrupção de negociações
Neste cenário, a maioria dos deputados europeus vota nesta quinta-feira a favor da interrupção das negociações de adesão da Turquia à União Europeia (UE), devido às purgas que levaram ao despedimento ou prisão de mais de 125 mil pessoas após a tentativa de golpe de Estado falhada de 15 de Julho. Recep Erdogan, no entanto, que avança rapidamente para a aprovação das alterações constituições que transformarão a Turquia num regime presidencialista, responde por antecipação: “Este voto não tem qualquer valor para nós, seja qual for o resultado.”
Na verdade, Erdogan tem razão. É mais uma tomada de posição do Parlamento Europeu, face
às notícias de abusos que vêm da Turquia diariamente. “Milhares de funcionários públicos foram despedidos. A liberdade de imprensa foi limitada. Media foram encerrados. Políticos, deputados eleitos em liberdade, estão na prisão. Estes desenvolvimentos são muito preocupantes”, disse Manfred Weber, líder parlamentar do Partido Popular Europeu, anunciando o sentido de voto da sua formação.
“Com Erdogan, a Turquia está a tornar-se um regime autoritário”, afirmou Gianni Pittella, líder do grupo dos Socialistas. “A União Europeia perde credibilidade ao desviar o olhar da tentativa de Erdogan de instalar um regime autoritário”, corroborou Guy Verhofstadt, líder do grupo dos Liberais (ALDE).
Mas para que as negociações que se iniciaram em 2005 sejam interrompidas é preciso que o Conselho Europeu, os líderes dos países-membros da UE, assim o decidam. Mas o apelo da Áustria a suspender as negociações não teve eco nos outros países. A Comissão Europeia avisou que cortar os laços com a Turquia seria uma situação em que todos perdem: “A melhor forma de reforçar a democracia turca é envolver-se com a Turquia, manter os canais abertos”, afirmou no Parlamento Europeu Federica Mogherini, a alta representante para os Assuntos Exteriores.