Concertação social marcada por "atropelos" ao diálogo e condicionada por Bruxelas

Análise do Observatório sobre Crises e Alternativas conclui que a governamentalização da Comissão Permanente Concertação Social e a influência de Bruxelas se reforçaram entre 2009 e 2015.

Foto
CGTP foi informada da assinatura do acordo para o salário mínimo de 2014 pelo telefone Daniel Rocha

Nos últimos sete anos, a concertação social ficou marcada por vários “atropelos” ao diálogo social, pela ausência de estudos sobre os impactos das propostas em discussão, por debates “superficiais e inconclusivos”, pela imposição de uma agenda centrada na legislação laboral e por um ritmo acelerado com o objectivo de produzir acordos para serem exibidos às instituições europeias. Estas são algumas das “entorses” identificadas pelo Observatório sobre Crises e Alternativas, depois de ter analisado as actas das 84 reuniões da Comissão Permanente Concertação Social (CPCS), que tiveram lugar entre 2009 e 2015.

O resultado deste trabalho é um caderno sobre “A actividade da CPCS de 2009 a 2015 - ecos das políticas europeias, assinado por quatro investigadores (entre eles Manuel Carvalho da Silva, ex-dirigente da CGTP e coordenador do Observatório), que será apresentado nesta quarta-feira, em Lisboa.

Os autores do estudo notam que, durante o período da crise, o diálogo social esteve fortemente condicionada pela agenda da União Europeia (UE) e assistiu-se a um reforço da governamentalização da CPCS. Isso é particularmente visível, referem, quando se analisam os temas abordados nas reuniões, constatando o “peso esmagador que as políticas e as orientações de acção definidas pelas instituições da União Europeia tiveram na agenda da CPCS – 70% dos tópicos discutidos entre Março de 2010 e Dezembro de 2015”.

Os problemas já vêm de trás, mas acentuaram-se no período em análise. Se antes, a concertação social poderia ser um mecanismo de condicionamento político, em consequência da governamentalização do debate tripartido, os dados agora analisados mostram que “o diálogo se esvaziou, transformando-se numa forma de legitimação de programas determinados, já não na esfera nacional, mas no quadro da imposição de uma agenda da UE que o governo [PSD/CDS] tomou como sua”, refere o relatório.

“A governamentalização da CPCS não só não se dissipou, como se reforçou no período em análise”, o que contribuiu para que se transformasse “num órgão meramente legitimador das opções políticas do Governo”.

Como resultado disso, concluem os investigadores, a concertação social “acabou por sancionar um vasto conjunto de medidas políticas” que tiveram resultados diferentes dos esperados. Assim, em vez de terem reforçado a competitividade nacional, as medidas adoptadas “resultaram numa redução da protecção social, fragilizaram as relações laborais, forçaram a uma desvalorização salarial acentuada, degradaram as condições de trabalho e de vida dos trabalhadores e conduziram à transferência efectiva de rendimento e de poder do factor trabalho para o factor capital, sem benefícios nacionais visíveis”.

Pela leitura das actas, ficam a conhecer-se alguns episódios que os investigadores classificam como "atropelos" ao diálogo social. Um deles tem a ver com o aumento do salário mínimo em Outubro de 2014, um "caso flagrante de substituição do espaço de diálogo tripartido por reuniões bilaterais", com a CGTP a ser informada, por telefone, da assinatura do acordo uma hora antes do facto se consumar.

Carvalho da Silva, Hermes Costa, Casimiro Ferreira e João Ramos de Almeida fazem questão de sublinhar que a concertação social “não perdeu relevância” e deixam algumas recomendações para que ela possa “assumir o papel que lhe compete”. Para combater a “excessiva governamentalização” da agenda da CPCS, os investigadores recomendam que o Governo dinamize “o diálogo e a negociação” e envie “atempadamente” aos parceiros as propostas e a informação e para impedir a subordinação à agenda da UE, pedem uma acção proactiva na formulação de estratégias.

Deixam ainda propostas para evitar a distorção da representatividade nos acordos assinados em concertação, recomendando que “nenhum acordo seja dado por adquirido sem representatividade efectiva de cada parte (patronal ou sindical) e sem exclusões no acompanhamento dos acordos”.

Sugerir correcção
Comentar