Isto não é uma banda, é um refúgio feliz
Dois músicos deprimidos descobriram que algo acontecia quando faziam canções juntos. Juntaram country e soul, iluminaram-na com a luz de um Verão eterno e já não há lugar para depressão. Quer uma nova banda preferida na sua vida? Escolha os Whitney.
Estavam deprimidos. Os Smith Westerns, mui respeitável banda indie, tinham acabado, minados por discussões internas. Acabara a tormenta, mas a vida de Max Kakacek e de Julien Ehrlich não lhes corria propriamente bem. Uma tragédia nunca vem só e duas tragédias ficam melhor na história. Junte-se o fim da banda à incerteza do que fazer com o resto da vida, apimente-se o cenário com corações partidos pelo fim de relações duradouras e com o dia-a-dia em apartamentos decrépitos lá para os lados de Chicago. Assim estavam Kakacek e Ehrlich há um par de anos. Não é como estão agora, como teremos o privilégio de testemunhar no Vodafone Mexefest, sábado, às 23h, no Teatro Tivoli, quando chegarem os Whitney para iluminar este Outuno quase Inverno.
Whitney não é o nome deles, como já se percebeu. É o nome da banda que os salvou. “É simplesmente uma palavra bonita. Não interessa se é uma coisa ou uma pessoa. Soa bem e fica bonita escrita. Também é isso que procuras numa banda. Quer dizer, mais ou menos”. Quem o diz é o guitarrista Max Kakacec, enfiado numa carrinha com Ehrlich, Tracy Chouteau, William Miller, Josiah Marshall, Malcolm Brown e Charles Glanders, os restantes membros de uma banda onde, coisa milagrosa, “nunca há zangas, nunca há discussões”. Estão algures na Europa, enquanto continua a digressão que terminará em Lisboa. Minutos antes, Kakacec recebera do tour manager o telemóvel com que falará ao Ípsilon. Enquanto o aparelho viaja da mão do tour manager para o ouvido de Kakacec ouvem-se gargalhadas e galhofa generalizada. Max ainda está a gargalhar quando o cumprimentamos. A depressão ficou lá atrás e eles já sabem o que querem fazer com o resto da vida. Light Upon The Lake, o magnífico álbum de estreia que editaram em Junho, foi o primeiro passo da nova caminhada.
O Vodafone Mexefest irá pôr-nos a correr de sala em sala, quer tomando o pulso ao que o presente português tem para oferecer (ver texto nas páginas anteriores), quer acompanhando o neo-Madchester dos antípodas dos Jagwar Ma (sexta, Coliseu dos Recreios, 0h25), o psicadelismo vitaminado dos americanos Sunflower Bean (sexta, Estação do Rossio, 23h20), a voz grave e cheia de Howe Gelb (sexta, Casa do Alentejo, 23h) ou a voz da consciência hip hop do grande Talib Kweli (sexta, Cine-Teatro Capitólio, 21h45), que será seguida na mesma sala pela festa da dupla Diamond D & Large Professor (22h50). Sábado, por sua vez, ouviremos a jovem Mallu Magalhães (Tivoli, 20h50) e a veterana Elza Soares (Coliseu dos Recreios, 22h10), seremos embalados pela Americana com assinatura de Kevin Morby (Estação do Rossio, 21h10) e iremos levantar-nos para dançar o hip hop jazzy dos históricos Digable Planets (São Jorge, 23h30). Entre todos estes nomes, porém, suspeitamos que um se destacará como novo caso de amor assolapado a palpitar no coração do público. Sim, é aos Whitney que regressamos.
Há alguns meses, vimo-los no Vodafone Paredes de Coura. Os seis Whitney (duas guitarras, teclas, baixo, bateria, trompete) tocaram quando o sol ainda brilhava alto no céu, fizeram brindes e beberam vinho pela garrafa, trocaram beijos e abraços e falaram directamente ao público, não propriamente numeroso, mas conhecedor e claramente embevecido, que os ouvia. “Serão, muito justamente, a nova banda preferida de muita gente”, escrevemos então, sem grande receio de falhar. Max Kakacek lembra-se bem. “Era a nossa primeira vez em Portugal e tivemos um dia maravilhoso. A viagem, toda a aquela luz, o rio. Ficámos logo na disposição certa. De qualquer modo, quando estamos em palco, estamos sempre na melhor das disposições. Ali [em Paredes de Coura] sorrimos ainda mais, por causa da forma como o dia estava a correr”. Ali mostraram que, num apartamento decrépito em Chicago, Max Kakacek, guitarrista, e Julien Ehrlich, baterista e vocalista, descobriram algo especial.
Descobriram como fazer canções juntos e criar música que é country-rock com slide guitar de trinado George Harrison, que são canções de cantautor pintalgadas de soul, que são, acima de tudo, polaroids iluminadas por um Verão eterno e animadas por um coração jovem que bate pleno de vida. Descobriram, quando saiu Light Upon The Lake e quando começaram a mostrar em palco No woman ou No matter where we go, que tinham criado algo que tocava fundo em tantos da sua geração. Os Whitney tornaram-se rapidamente um pequeno fenómeno, a banda ideal para a banda-sonora dos dias que passam, com as suas histórias de viagens de olhos postos na janela do comboio que avança vagaroso, com as suas exaltações e desilusões amorosas, com a inquietação perante o futuro e a doce melancolia perante memórias passadas – o cenário criado mais cativante ainda pelo filtro 70s, versão bucólica, aplicado ao som.
A reacção que a música dos Whitney tem provocado, e até sir Elton John veio proclamar publicamente o seu incontido apreço pela banda, não se explica. Di-lo Max Kakacek: “O principal é sermos egoístas no processo de composição. Não escrevemos para um tipo de pessoas específico, escrevemos sobre nós, a nossa vida e o que nos passa pela cabeça”. Ainda assim, concede que há por trás destas canções um objectivo específico. “Parte do processo de trabalho é tentar fazer cada canção importante para qualquer pessoa. É objectivo de qualquer artista, julgo eu, conseguir ajudar quem o ouve a ultrapassar aquilo com que se depara na vida, ajudar a viver os seus momentos de transição. Afinal, todos passamos pelo mesmo”.
Max Kakacek e Julien Ehrlich, deprimidos, encontraram novo ânimo nas canções que começaram a criar juntos num apartamento em Chicago. Juntaram à sua volta mais músicos, refugiaram-se no campo, em San Fernando Valley, e entre trabalho no estúdio e noites dormidas ao relento, tiveram sempre a seu lado Jonathan Rado, dos Foxygen, na posição de produtor. Disseram-lhe que queriam que a música fosse directa e cristalina, distante, portanto, da neblina sonora típica dos Foxygen ou da maquilhagem vagamente glam dos Smith Westerns. Rado não só concordou como se tornou guia no caminho de “privilegiar a emoção correcta, mesmo que com pequenos erros técnicos”, sobre a “perfeição”. Falaram de Levon Helm, o baterista e vocalista da The Band, discutiram discos soul de Otis Redding e Alan Toussaint. Julien Ehrlich cantou a sua voz frágil, no limite do falsete, os restantes sorriram ao vê-lo cantar aquelas letras de coração exposto sobre música que conforta e exalta, que dança alegre sobre o caos.
Foi o resultado de todo esse processo, Light Upon the Lake, que os trouxe a Paredes de Coura e que os trará agora a Lisboa. Não é exactamente um álbum. É um refúgio feliz.