Funerárias sob suspeita por pagamento de comissões a polícias

Ministério Público está a investigar caso que envolverá agentes da PSP da Margem Sul que se deslocam a casa das famílias quando alguém morre. Já várias testemunhas foram ouvidas.

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Rui Gaudêncio

O Ministério Público está a investigar o pagamento de comissões a agentes da PSP por parte de funerárias. Há polícias suspeitos de receberem dinheiro para aconselharem determinadas agências às famílias que perderam entes queridos.

As primeiras denúncias públicas sobre o caso surgiram no site TugaLeaks, tendo a Procuradoria-Geral da República confirmado ao PÚBLICO que foi aberto um inquérito para apurar o que se está a passar, no âmbito do qual foram ouvidos, na qualidade de testemunhas, representantes da PSP e também das funerárias.

Até ao momento, não foram constituídos arguidos, informa ainda a Procuradoria-Geral da República.

“Há agentes que recebem 400 a 600 euros por defunto”, disse ao PÚBLICO um agente que conhece a situação. Almada e Laranjeiro são zonas onde haverá pagamento de comissões, mas esta é uma prática que poderá estar disseminada e a ser investigada noutros pontos do país. O PÚBLICO pediu esclarecimentos à PSP, que não foram prestados em tempo útil.

Para o presidente da Associação Nacional de Empresas Lutuosas, Carlos Almeida, a própria forma como está montado o sistema de recolha de defuntos mortos em casa propicia equívocos.

O site da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa explica que há circunstâncias em que, após uma morte, não é preciso chamar as autoridades policiais, nem sequer accionar o Ministério Público: basta chamar o médico que acompanhava o doente, que poderá atestar o óbito ocorrido por causas expectáveis.

Porém, quando são confrontadas com a morte de um familiar em casa, a maioria das pessoas liga para o Instituto Nacional de Emergência Médica, ou chama a polícia. “Cabe à PSP ou à GNR fazer uma triagem, decidir se chama ou não o Ministério Público, apesar de os agentes não terem preparação para isso”, explica Carlos Almeida. “Podem, porém, influenciar todo o processo, decidindo se a morte é suspeita ou insuspeita. É uma zona cinzenta de actuação”, considera ainda Carlos Almeida, para quem a questão só ficará resolvida quando houver médicos legistas de piquete para acorrer a estas situações – algo que “está há muito tempo previsto na lei mas nunca foi implementado”.

Caso a morte seja insuspeita é preciso chamar uma funerária – e é nesta altura que os agentes podem inquirir os familiares sobre se têm em vista alguma agência.

O presidente da Associação Nacional de Empresas Lutuosas assegura que desconhecia as suspeitas de pagamento de comissões aos polícias pelas funerárias até há poucos meses, quando um sócio seu, da Margem Sul, se sentiu lesado por outras agências e “entregou ao Ministério Público dados que eles não tinham, para ajudar na investigação”.

O aconselhamento de determinada empresa pelos agentes passará, por vezes, pela garantia de que aquela “é mais rápida” a prestar o serviço, ou seja, a remover o cadáver. “Às vezes, favorecem determinada funerária sem receberem qualquer contrapartida, só por causa da celeridade, para não ficarem tanto tempo à espera com o cadáver”, uma vez que não podem retirar-se sem que cheguem os funcionários da agência, acrescenta ainda Carlos Almeida.

O autor do Tugaleaks diz que já enviou à PSP uma lista de agências e de 18 agentes de Almada e do Laranjeiro alegadamente envolvidos no esquema – incluindo um polícia que “se encontra alegadamente suspenso e que está a fazer ‘atendimento’ numa funerária local”.

Fraudes com passes: investigação dura há ano e meio

A investigação do caso das fraudes com os passes de autocarro, praticadas por agentes da PSP da Margem Sul, e denunciadas pelo PÚBLICO em Maio de 2015, ainda não chegou, ano e meio depois, ao fim. E é impossível saber como tem evoluído, uma vez que se encontra em segredo de justiça.

Aberto no Tribunal de Almada, o inquérito sobre os agentes que trocavam o carregamento gratuito dos passes a que têm direito por dinheiro acabou por transitar para o Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, por a extensão geográfica das suspeitas ser maior do que se julgava inicialmente. O presidente do Sindicato Unificado da Polícia, Peixoto Rodrigues, foi um dos que foram constituídos arguidos pela PSP, em processo disciplinar. Não porque trocasse o título de transporte por dinheiro, assegura, mas porque o carregava na bilheteira de Cacilhas dos Transportes Sul do Tejo, local onde o esquema era levado a cabo com a cumplicidade dos funcionários da transportadora. “Há centenas de arguidos como eu: agentes, chefes e oficiais”, conta. “Não é aceitável que isto dure há tanto tempo sem a PSP nos confrontar com o que quer que seja. Nunca fui ouvido”, critica. 

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