A Cinema Bold quer repensar como se mostra um filme

A nova chancela da distribuidora Alambique quer chegar a um público que já não vê cinema da mesma maneira. Werner Herzog e Gabriel Abrantes são o caso-teste.

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Uma imagem de Eis o Admirável Mundo em Rede (Lo and Behold), Cortesia da Magnolia Pictures
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Uma imagem de Eis o Admirável Mundo em Rede (Lo and Behold), Cortesia da Magnolia Pictures

Luís Apolinário conta um episódio que aconteceu com a sua distribuidora, a Alambique, aquando da estreia portuguesa de Pneu, de Quentin Dupieux, em 2011. “Estávamos a estrear o filme na única sala de Lisboa onde sabíamos que ele 'cabia', o King”, diz, “mas quando vi meia dúzia de velhinhos de 70 anos numa das sessões, percebi que o público daquela sala já não tinha nada que ver com o que era. Fizemos pouquíssimos espectadores. Mas hoje já vendemos milhares de DVD do filme, é um dos nossos best-sellers. O filme tinha de facto um público, mas não foi na sala que o encontrou.”

Encontrar outras maneiras de os filmes chegarem aos seus públicos num momento em que as salas já deixaram de ser o “centro” do cinema, então, é o desafio por trás da Cinema Bold, um “desafio” que a Alambique lança ao público e ao mercado a partir deste sábado. Apolinário chama à nova chancela “espaço de provocação”, “território de experimentação”, com um plano desenvolvido nos bastidores ao longo dos últimos anos: apenas 12 lançamentos por ano, com uma estreia nacional na última quinta-feira de cada mês, simultaneamente em sala, DVD e video-on-demand (VOD). O primeiro é o documentário de Werner Herzog sobre a Internet, Eis o Admirável Mundo em Rede (Lo and Behold), que passou no Doclisboa. Chega a 12 salas de todo o país no dia 24 (com a curta de Gabriel Abrantes A Brief History of Princess X na primeira parte), ao DVD e VOD a 1 de Dezembro, e tem neste sábado uma antestreia especial, numa sessão de entrada livre no auditório do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, em Lisboa, às 16h.

O filme de Herzog é, nas palavras do distribuidor, um “filme Bold”, porque é “um filme que importa”. A definição de “filme que importa” é propositadamente vaga: parte da ideia por trás do projecto que é mostrar filmes que façam sentido aqui e agora, apostar em autores novos ou em “cartas fora do baralho”. A seguir a Herzog e Abrantes, virão em Dezembro o western-gore tarantiniano Bone Tomahawk, com Kurt Russell (que vai chamar-se em Portugal A Desaparecida, o Aleijado e os Trogloditas), em Janeiro A Criada do coreano Park Chan-wook (Old Boy), em Fevereiro Os Olhos de Minha Mãe, com a portuguesa Kika Magalhães, que causou sensação em Sundance, e em Abril a reposição do clássico Brazil, de Terry Gilliam.

Cinema Bold | Eis o Admirável Mundo em Rede from Alambique Filmes on Vimeo.

No essencial, trata-se de pegar em filmes cujo público não está forçosamente no circuito tradicional e de encontrar outras maneiras de o atingir. Em última instância, o lançamento da Cinema Bold quer ser uma tentativa de começar a colmatar uma “ruptura geracional”, como explica o distribuidor — “o ambiente mudou de tal modo nos últimos 20 anos que importa começar a pensar como podemos recuperar as duas gerações de espectadores que o mercado da exibição perdeu para os festivais, para a Internet, para a pirataria”.

O “território de experimentação”, então, começa pelo grande ecrã — “porque um filme é sempre feito para ser visto em sala”, com um grupo inicial de 12 salas associadas para os primeiros seis meses: em Lisboa (Alvaláxia, Classic Alvalade e Ideal), Grande Porto (Parque Nascente), Coimbra (Alma Shopping), Almada (Fórum Almada), Aveiro (Fórum Aveiro), Braga (Braga Parque), Cascais (Cinema da Villa),  Faro (Fórum Algarve), Leiria (Cinema City) e Setúbal (Cinema City). “A ideia é conseguir a máxima acessibilidade no país inteiro”, explica Apolinário. “Nem todas irão exibir o filme todos os dias em cinco sessões. Algumas irão fazer uma sessão por dia, outras terão apenas sessão única, consoante cada cidade, mas todas vão mostrá-lo.”

Ao fim de uma janela “simbólica” de uma semana, os filmes serão lançados em DVD (através das lojas FNAC) e VOD (em todas as plataformas digitais nacionais — Filmin, Meo, Nos, Nowo e Vodafone). E a ideia é que o ritmo mensal dos lançamentos possibilite escapar ao ritmo do marketing de massas, permitindo que cada filme seja trabalhado sozinho e com atenção total por parte da equipa.

Há mais uma originalidade da Cinema Bold: o filme que será estreado em Março vai ser escolhido pelo público. Ou melhor, pelos cem cinéfilos que se inscreverem através da comunidade Scope 100 — um projecto lançado por um grupo de dez pequenas distribuidoras europeias, que abre a uma centena de espectadores de cada país a escolha anual de um título para lançamento futuro. Os interessados podem consultar o regulamento e inscrever-se até ao dia 25 em http://cinemabold.pt/scope100/

Expectativas? “Os problemas são muitos e as soluções não são evidentes”, confessa Luís Apolinário. “Mas é preciso começar a reformular as coisas, reconstruir a comunicação entre o filme e o espectador. A Cinema Bold é uma experiência.”

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