De que valeram as celebridades na corrida à Casa Branca?
Hillary Clinton teve as grandes estrelas da música a seu lado. Trump teve um velho guitarrista, Ted Nugent, conhecido pelas posições ultraconservadoras. Mais que ajudar Clinton, o mais provável é que tamanha concentração de estrelato milionário tenha beneficiado Trump.
Beyoncé e Jay-Z, o casal mais poderoso da indústria musical, sendo Beyoncé a sua maior estrela, apoiaram activamente Hillary Clinton, aparecendo nos seus últimos comícios em quatro dias consecutivos. Adele, a britânica que é a mais recente estrela global da canção pop, manifestou o seu apoio a Clinton num concerto em Miami, Florida, com a candidata a aplaudir na assistência. Sigourney Weaver discursou na campanha e Robert de Niro, Meryl Streep e Barbra Streisand falaram publicamente sobre a importância de eleger uma mulher para a presidência. Lady Gaga exultou: “Nada pode parar uma mulher forte.” Miley Cyrus pôs as mãos na massa e andou a fazer campanha no dormitório de uma universidade americana. O omnipresente Bono lançou o alerta: “A América é, tipo, a melhor ideia que o mundo já teve, mas Donald Trump é possivelmente a pior ideia que alguma vez aconteceu à América.” E o respeitadíssimo Bruce Springsteen, que tocou num comício de Hillary na recta final da campanha, não poupara nas palavras. “Basicamente, o país está sob cerco de um idiota”, afirmara há meses, acrescentando que a candidatura de Trump era “uma tragédia” para a democracia americana.
Do lado de Trump, em campanha, nada mais que um velho guitarrista rock’n’roll, Ted Nugent, conhecido por ser membro da National Rifle Association e pelas suas posições ultraconservadoras. Num comício, agarrou os genitais enquanto dizia que era assim que se lidaria com os estados democratas. Se o apoio de músicos e celebridades fossem indicador de alguma coisa, Hillary Clinton teria vencido as eleições por goleada. Mas não são. Ou são cada vez menos. Ou já não são nada.
Desconfiados das estrelas
Há dez anos, Neil Young chamou os seus velhos companheiros de estrada, David Crosby, Stephen Stills e Graham Nash, para uma nova digressão. Neil Young estava incensado com a actuação do então presidente americano, George W. Bush, e com as guerras que este travava no Iraque e Afeganistão. Neil Young queria desencadear uma discussão, mas não houve discussão alguma. Os convertidos ouviram-no com pacatez. Os outros indignaram-se. Num concerto em Atlanta, quando começou a tocar Let’s impeach the president, parte da multidão abandonou a sala: “Paguei 200 dólares e quero ouvir música, não a tua opinião.” Passaram dez anos. Em 2016, nesta campanha, ninguém gritou como em Atlanta.
A semana passada, a Forbes escrevia que, pela primeira vez, um nome incluído na sua lista das cem celebridades mais ricas concorria às presidenciais americanas (sim, falavam de Trump). Das restantes 99, nem uma deu o seu apoio oficial ao candidato (o jogador de futebol americano Tom Brady e o radialista conservador Rush Limbaugh limitaram-se a manifestar simpatia pela candidatura). No contexto em que decorreu esta eleição, o apoio a Hillary, em peso, de Hollywood e dos músicos mais célebres, pode até ter sido contraproducente. Digamos que as celebridades são interessantes para alimentar o circo da fama que todos apreciam, quer sejam apoiantes de Trump ou de Hillary, mas não para se meterem em activismos políticos e tentarem influenciar o sentido de voto dos eleitores — em 1960, John Kennedy viu a sua campanha ganhar impulso com o lendário Frank Sinatra a cantar High hopes nos seus comícios, mas esses eram outros tempos, muitos distantes.
Donald Trump capitalizou votos afirmando-se anti-establishment. Foi o privilegiado que convenceu o eleitorado de que lutava contra os privilegiados que nada compreendiam das dificuldades vividas pelo cidadão comum. Ora, saber que George e Alma Clooney organizavam em sua casa jantares de angariação de fundos para Hillary Clinton, a 33,4 mil dólares a refeição, contribui para confirmar essa narrativa e para acentuar a desconfiança perante o estrelato. E Beyoncé pode cantar maravilhosamente e podemos ter os discos todos dela em casa, mas porque é que devemos ouvir o que esta milionária tem para dizer ao povo americano?
Todos por Hillary
Hillary somou apoio atrás de apoio entre o estrelato — Leonardo di Caprio a organizar um jantar como o dos Clooney; Pharrell Williams a apelar a que as mulheres votassem em Clinton para “salvar esta nação”; Madonna, depois dos atentados terroristas em Paris, a voltar a cantar o Imagine de John Lennon (e estamos nós em 2016). Donald Trump, por sua vez, ouvia figuras como o músico Kid Rock ou o pugilista Mike Tyson a defenderem que ele era o homem certo para “gerir a América como uma empresa”; via o lutador de wrestling Hulk Hogan a apoiá-lo atacando Hillary — “é mais um daqueles robots do establishment que estão aqui para seguir a sua agenda” — e sorria quando o antigo participante no seu Celebrity Apprentice, Stephen Baldwin, elogiava à imprensa o facto de o candidato “não ser um político e não querer saber o que pensam sobre ele”.
No palco dos seus comícios, além do espalhafatoso Ted Nugent, nem sinal do glamour das celebridades do cinema ou dos discos. “Não precisamos deles porque só queremos tornar a América grande outra vez e sabemos como o fazer, certo?", disse este fim-de-semana perante os seus apoiantes. "Não precisamos disso. É quase como fazer batota, não é?” Que não tivesse celebridades a seu lado porque as que o apoiavam escasseavam e não pertenciam à primeira divisão do estrelato é um pormenor. A ausência delas dava força àquilo em que dizia assentar a sua candidatura — tal como, em sentido contrário, reforçava a parada de celebridades desfilando ao lado de Hillary.
Confirmada a vitória de Donald Trump, as redes sociais, como é seu hábito, explodiram de actividade. Lady Gaga chorou e tweetou: “Numa sala cheia de esperança, seremos ouvidos. Ergamo-nos pela bondade, igualdade e amor. Nada nos parará.” Madonna exortou: “Não desistam.” Katy Perry escreveu no Twitter que não era tempo para chorar: “Mexam-se. Não somos uma nação que se deixará guiar pelo ódio.” Lily Allen fez uma piada sobre a necessidade de o Canadá começar a pensar em construir um muro e Cher lamentou em linguagem colorida que “uma fúria e uma raiva tenham consumido a nossa América”. Enquanto isso, Steven Seagal tweetava que está ansioso por ajudar a tornar a América grande outra vez e Stephen Baldwin dizia-se orgulhoso por “ter feito parte de uma história tão maravilhosa”.
O mundo das redes sociais está já em ebulição com choro, protesto, indignação, aplausos e celebração, gifs, memes e por aí fora. Lá, há até quem responsabilize a neutralidade de Taylor Swift pela vitória de Trump. Cá fora? Bem, cá fora não tardará até que as massas de Trump e de Hillary estejam novamente juntas num concerto de Beyoncé ou num cinema a ver George Clooney. Irão pela música e pelo filme. A não ser que confirmem as suas, não quererão saber das opiniões deles.