Refugiados procuram um sentido para a sua permanência em Portugal

Quando a Luz se Apaga: o debate junta a Associação dos Refugiados em Portugal e o Teatro Maria Matos em Lisboa, nesta quarta-feira às 18h30.

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Daniel Rocha

Foi por existirem pessoas como Myriam ou Gregor que Diaby Abdourahamane criou a Associação dos Refugiados em Portugal a que preside desde 2010. "Para termos uma voz", diz. "Pela nossa experiência, pelo caminho que fizemos e as dificuldades que vivemos em Portugal. Não há um mapa que nos indique como isso se faz. Não está escrito. E ninguém pode falar por nós."

Myriam, da Mauritânia, chegou em 2011 através do Programa de Reinstalação do Alto-Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR). Gregor veio da Grécia há oito meses pelo Programa de Recolocação da União Europeia (UE). Neste programa, Portugal já recebeu mais de 700 pessoas (comprometeu-se, num primeiro momento, a receber 4500 refugiados em dois anos, e mais tarde, com o aumento do fluxo de chegadas à Itália e à Grécia, a receber até 10 mil pessoas).

“Foi muito bom para salvar as pessoas da morte, do sofrimento", diz o presidente da Associação dos Refugiados. "Mas como são pessoas, vão começar a pensar como pessoas. Vão querer trabalhar, vão querer ser livres. O que vai acontecer se não há nada para eles e se muitos nem estão a aprender o Português?”

O problema existe quer seja um refugiado que chegou e pediu asilo de forma espontânea, como Abdourahamane em 2008, quer sejam refugiados reinstalados como Myriam, ou como Gregor, recolocado.

Os três serão oradores num debate nesta quarta-feira no Teatro Maria Matos, a que a Associação dos Refugiados em Portugal deu o nome Quando a Luz se Apaga. "O SEF [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras] não sabe, os assistentes sociais não sabem, nunca viveram esta situação. Chegam aos seus gabinetes, trabalham, preenchem os formulários. Quando acabam, apagam a luz e vão para casa", diz Diaby Abdourahamane. É nesse momento, em que a luz se apaga, que os refugiados, sozinhos, procuram um sentido para a sua permanência em Portugal e respostas para as perguntas que os invadem.

Quando chegou à Grécia no ano passado, Gregor pediu para ser recolocado na Suécia por ter lá os pais e os irmãos. A única opção era Portugal. Ele aceitou. Não queria prolongar o impasse de uma vida que já tinha deixado tanto sofrimento no país de origem – Eritreia – e no primeiro para onde fugiu – Sudão.

“Para muitos refugiados, não é uma escolha. O país é atribuído como calha”, diz. Se recusasse, ficaria fora do programa de recolocação da UE que garante o acolhimento e o apoio à inserção durante 18 meses. É pelo menos essa a sua percepção.

Chegou a Portugal no dia 7 de Março de 2016, num voo de Atenas, com pessoas da Eritreia, Síria, Iraque e Iémen. Está grato. "Aprecio Portugal e os portugueses que recebem os refugiados com um sorriso." 

O motorista e operador de máquinas de 34 anos vive agora, com outros três refugiados, numa boa casa num bom bairro de Lisboa. Mas só uma pequena parte dele consegue estar feliz com isso. Na Grécia, foi-lhe garantido que a família se juntaria a ele, num prazo máximo de três meses. Passaram oito meses e apenas recebeu a carta dizendo que em breve terá o documento de residência permanente por cinco anos – o cartão que lhe permitirá iniciar uma nova batalha e trazer a família, enquanto procura trabalho desde que chegou. Em oito meses, conseguiu um trabalho de duas semanas na reparação de uma casa em Almada. Todas as suas energias estão concentradas em trazer a família, sofre de ansiedade, e está a ser ajudado por um psicólogo através de uma associação a Crescer na Maior.

O mesmo precisaria Myriam, que veio não directamente do seu país, a Mauritânia, mas de um outro, onde cresceu num campo de refugiados. Hoje com 31 anos, a palavra que mais frequentemente pronuncia, numa breve conversa, é “sofrimento”.

Portugal acolheu-a e, como Gregor, está grata por poder assim proporcionar à filha uma vida em segurança e a possibilidade de ir à escola. Ela própria aprendeu o Português, que fala correctamente. Ao longo dos meses, distribuiu dezenas de currículos e não arranjou um trabalho fixo. Sente que nada mudou desde o dia em que chegou, em 2011, e até hoje. Tem feito cursos atrás de cursos de formação através do Centro de Emprego. Mas sem trabalho, imagina que não tem o direito de estar aqui. “Português ou refugiado? Somos todos humanos. Ficar cinco anos num país, sem trabalhar, é como estar numa prisão. Tenho o direito de deixar o meu currículo. E que mais? Nada, se nunca me chamam. Sinto-me uma prisioneira.”

Myriam e Gregor são nomes fictícios

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