Portugal está atento à legalização da cannabis, mas experiências ainda são recentes
Director do SICAD diz que situação portuguesa não justifica pressas na legalização da cannabis para uso recreativo. Quanto ao uso medicinal, atira a discussão para Infarmed e Ordem dos Médicos.
Portugal tomou a dianteira na descriminalização do consumo de drogas, mas o mesmo não se pode dizer em relação à legalização da cannabis. A produção, distribuição e consumo desta substância é já legal em vários pontos do mundo, mas em Portugal as tentativas de legislar nesse sentido, ensaiadas pelo Bloco de Esquerda (para fins terapêuticos) mas também pela Juventude Socialista (para uso recreativo), têm esbarrado contra um muro.
“Não podemos perder de vista que somos signatários de convenções internacionais, nomeadamente no âmbito da ONU, que consagram um paradigma proibicionista relativamente à cannabis e a outras substâncias”, enquadra o responsável pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), João Goulão, para concluir que “o tempo de incubação” das experiências de legalização que existem lá fora “é ainda curto” para aferir se “os problemas de saúde individual ou colectiva ocasionados por estes consumos aumentam ou diminuem”.
O Uruguai deixou cair o paradigma proibicionista em 2013, reclamando para o Estado um papel de produtor, distribuidor e vendedor de marijuana em doses individuais. Em Julho de 2015, o Chile legalizou o uso terapêutico e recreativo da cannabis, autorizando os particulares a cultivarem um máximo de seis plantas. Nos Estados Unidos, a cannabis para uso recreativo já é legal em quatro estados (Colorado, Washington, Oregon e Alasca) e a questão vai a votos nas eleições do dia 8 em cinco outros estados (Nevada, Arizona, Califórnia, Maine e Massachusetts). Para Goulão, porém, a situação em Portugal não é comparável com a que se vive na América Latina, por exemplo, onde “a droga mata mais por causa da guerra entre gangs e cartéis do que pelos consumos”.
"Tabaqueiras estão extremamente interessadas"
“Percebemos que há tabaqueiras que estão extremamente interessadas neste novo mercado, até pelo declínio da utilização do tabaco no mundo inteiro, pelo que temos de nos interrogar o que é que estas experiências têm de enormes interesses económicos por detrás”, argumenta ainda Goulão, acrescentando outro argumento à discussão, antes de sublinhar que, quanto ao consumo para fins medicinais, a discussão compete a organismos como o Infarmed e a Ordem dos Médicos.
No somatório de argumentos contra a urgência de legalização, o coordenador do SICAD lembra que em Portugal “a evolução do consumo de drogas tem sido globalmente positiva”, o que põe o país “um pouco ao abrigo da necessidade urgente de alterar o regime legal das drogas”.
Em Portugal, a cannabis surgiu como a droga mais consumida pelos portugueses, com 9,4% da população em geral a reportar pelo menos uma experiência de consumo em 2014 (7,6% em 2001), segundo o último relatório sobre a situação do país em matéria de drogas e toxicodependências. Do mesmo modo, a cannabis foi a droga mais consumida por 49% dos novos utentes em tratamento de ambulatório em 2014 e, em Fevereiro, quando estes números foram divulgados, já Goulão alertava para a “enorme complacência social” que existe em relação à cannabis, uma droga que está cada vez mais potente e que vem desencadeando episódios de urgência, psicoses agudas e esquizofrenia.