Governo e Presidente a duas vozes sobre a Guiné Equatorial
Santos Silva admitiu ilegitimidade da entrada da Guiné Equatorial na CPLP, Marcelo mostrou-se satisfeito com passos já dados. Ambos lembraram que não estiveram em Díli, que abriu a porta ao país de Obiang.
Primeiro, o ministro dos Negócios Estrangeiros pediu a abolição imediata da pena de morte na Guiné Equatorial, pôs em causa a ratificação da adesão daquele país à Comunidade de Povos de Língua Portuguesa (CPLP) e admitiu a “ilegitimidade” dessa adesão. Cerca de uma hora depois, o Presidente da República considerou a ratificação feita e a moratória sobre a pena de morte satisfatória. De acordo estiveram ambos na forma como se descartaram da cimeira em que foi aprovada a entrada daquele país na CPLP. “Nenhum de nós estava na Cimeira de Díli”, disse Marcelo Rebelo de Sousa, referindo-se a si e ao primeiro-ministro, na conferência de imprensa que ambos deram no fim da Cimeira de Brasília. “A minha assinatura não está lá”, tinha dito Augusto Santos Silva, em declarações aos jornalistas portugueses que acompanharam a cimeira.
O ministro tinha abordado as três condições para a Guiné Equatorial fazer parte da CPLP: ratificação dos estatutos, abolição da pena de morte e ensino de português. “Eles dizem que ratificaram, mas ainda não vi o instrumento de ratificação que tem de ser depositado na sede da CPLP”, disse Santos Silva, avisando: “Ninguém pode pertencer à CPLP sem abolir a pena de morte. Do ponto de vista português, isso tem de ser feito de imediato, sob pena de a integração da Guiné Equatorial na CPLP ser ilegítima.”
Cerca de uma hora depois, o discurso era bastante mais suave. “O que é facto é que nesta cimeira foi possível verificar que esse novo membro tinha ratificado os estatutos da CPLP, finalmente fazendo valer esses estatutos no seu direito interno, dando passos para a valorização da língua portuguesa, que é um elemento fundamental da CPLP e dando passos que, ficou claro, vão ser aprofundados no domínio da garantia dos direitos humanos”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, com o primeiro-ministro a seu lado e Santos Silva dois passos atrás.
Para o Presidente, é suficiente, por enquanto, a moratória que a Guiné Equatorial tem em vigor e que impede, juridicamente, a aplicação da pena de morte. “A moratória que foi adoptada significa que deixou de ser possível a aplicação da pena de morte. (...) Do que se trata é de converter a moratória em abolição, mas de facto o objectivo da exigência de há dois anos, que era que não seja possível aplicar a pena de morte, está atingido. Importa atingi-lo, se quiserem, irreversivelmente, mas está atingido”, disse o Presidente que, pela primeira vez em três dias, falou mesmo da Guiné Equatorial e de pena de morte.
Desde domingo que o Presidente vinha a ser questionado sobre a pena de morte e o desrespeito pelos direitos humanos na Guiné Equatorial e tinha sempre “chutado para canto”, fazendo declarações genéricas sem sequer pronunciar o nome do país ou do Presidente Teodoro Obiang que, aliás, ficou no mesmo hotel de Marcelo, Costa e António Guterres em Brasília.
Agora, Portugal vai dar apoio técnico e jurídico à Guiné Equatorial para acabar mesmo com a pena de morte. “O apoio técnico que nos é solicitado é para a harmonização legislativa”, explicou o primeiro-ministro.
Portugal vai manter-se atento aos próximos “passos” da Guiné Equatorial. “Para que, muito antes da Cimeira da Cidade da Praia [em 2018], possamos dizer que o panorama também em matéria de direitos humanos é diferente do de há dois anos e do de hoje”, avisou o Presidente da República, que abriu a porta à presença de Obiang em Fátima, no centenário das aparições, em 2017.
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