"A emigração vai diminuir independentemente da situação económica"
Embora vá descer, a emigração não chegará aos níveis de antes da crise, prevê o coordenador cientifico do Observatório da Emigração, Rui Pena Pires. Portugal é cada vez menos atractivo para imigrantes.
Rui Pena Pires, coordenador científico do Observatório da Emigração, lê com reserva os dados publicados pelo Instituto Nacional de Estatística que (INE) apontam para uma descida de 18,5% da emigração permanente e de 28,5% da temporária. O Observatório ainda não publicou os dados relativos a 2015 porque lhe faltam os de Angola e de França, dois “países-pesados” que não podem ficar de lado quando se fazem estimativas. Mas, diz, até “agora a situação está estável em relação ao ano anterior”. Numa entrevista por telefone o sociólogo prevê mesmo que a emigração “não vai voltar aos níveis antes da crise porque entretanto já se criaram canais de informação que permitem às pessoas sair, não tanto porque estejam mal mas porque podem estar melhor”. E diz com cautela: “Estes dados confirmam que provavelmente os tempos de maior emigração talvez comecem a passar, mas ainda é muito cedo para tirar conclusões”.
Como lê a diminuição do número de emigrantes?
No inquérito sobre mobilidade do INE perguntam se alguém daquela habitação emigrou nos últimos 12 meses. Isto deixa de fora as unidades em que todos os membros emigraram. Perguntam também se conhecem alguém que emigrou nos últimos 12 meses. E ainda se acham que essa pessoa acha que vai ficar mais de 12 meses. O grau de subjectividade nesta pergunta é muito grande. Diria que os dados que o INE faz da emigração estão subavaliados. E que não tem grande significado a distinção entre temporário e permanente. A emigração temporária é difícil de medir, só se consegue à posteriori. Quando são os próprios a responder, respondem de diferentes formas, uma das respostas que dão é condicionada pelas questões legais.
Houve então mais emigração do que dizem os dados do INE? Que dados tem para dizer que a emigração foi superior e porquê?
Sim. De 2015 faltam Angola e França, dois destinos que não se podem colocar de lado quando se está a fazer as estimativas devido à sua importância. Até agora a situação está estável em relação ao ano anterior – a Suíça diminui, mas Espanha e Reino Unido, por exemplo, aumentaram. Todos os anos calculamos a emigração a partir das entradas de portugueses nos países de destino porque o problema é que não há registo de saídas.
Mas é provável que por causa da crise em Angola a emigração tenha diminuído?
Sim. A grande incógnita é se França compensa a eventual descida de Angola. A minha perspectiva é: ou estabilizou ou houve uma ligeira baixa.
Esta eventual diminuição pode estar relacionada com a situação económica de Portugal?
Acho que não. Apesar de tudo, estando em crise, ficámos com défice de criação de emprego e com grande volume da população que não conseguia encaixar-se no mercado de trabalho e começou a sair. Mas esse “excedente” está a diminuir. De alguma forma, a emigração vai diminuir independentemente da situação económica porque já saíram os que precisavam de sair para os níveis se equilibrarem.
Nos tempos mais próximos, provavelmente vão acontecer duas coisas. A emigração vai começar a baixar, mas mesmo que a situação económica melhore não vai voltar aos níveis antes da crise pois entretanto já se criaram canais de informação que permitem às pessoas sair, não tanto porque estejam mal mas porque podem estar melhor – e não sabiam antes porque não existiam as redes de suporte à emigração que agora existem. A não ser que haja uma hecatombe com o Brexit – o Reino Unido é o nosso principal destino de emigração e se houver um fechamento pode, sim, haver uma diminuição maior.
Houve uma nova vaga migratória.
A emigração está a subir desde o princípio do século, entre 2007 e 2008 até baixa, e depois em 2011 sobe abruptamente. Nos primeiros anos da crise, de 2008 a 2010, a emigração baixa porque a crise foi global, o que não é específico de Portugal. A partir de 2010 a economia de países como França cresce e retoma-se uma emigração para o Norte da Europa.
Em Portugal a emigração nem está muito alta, em relação a outros países da União Europeia nem somos dos que têm mais emigração, estamos a meio da tabela. Somos é o país com maior emigração de nacionais, 90% dos que saem são portugueses [em 2015, 39 847 dos 40 377 eram portugueses]. Por exemplo, Espanha tem uma taxa maior de emigração, mas 90% dos emigrantes são estrangeiros, é uma espécie de re-emigração.
O que distingue Portugal?
Primeiro, o facto de não entrar quase ninguém. Em termos relativos o saldo é elevado, sobretudo se deitarmos fora os movimentos de retorno e aí temos das atractibilidades mais baixas da Europa. Os países com economias dinâmicas, como o Reino Unido, têm muitas entradas e saídas – tem uma taxa de emigração quase igual à nossa, mas de imigração muito superior.
Olhando para os dados da imigração, que apontam para um aumento, o INE diz-nos que 50% tinham nacionalidade portuguesa; e 43% nasceram em Portugal. Como é que estes dados se contextualizam?
São portugueses a regressarem – um imigrante não é estrangeiro mas alguém que viveu noutro país e regressa. Esse é um problema: não só Portugal atrai poucos imigrantes como metade dos que atrai são nacionais a regressar. Em termos de atractividade de imigrantes estrangeiros, novas pessoas, não tem quase nada.
Fala-se de um saldo negativo mas menos acentuado em 2015. 50% dos imigrantes são retornos e a emigração diminui, o que isto mostra?
A atracção de Portugal como país de imigração continua muito baixa e portanto torna-se difícil compensar os efeitos das saídas. Se contarmos apenas as novas entradas (imigrantes estrangeiros) e nas saídas, de emigração, apenas as de nacionais, em termos relativos só temos com saldo negativo maior que Portugal a Lituânia, Letónia e a Roménia.
As pessoas regressam porquê, acha que as medidas do anterior governo de trazer de volta os emigrantes tiveram efeito?
Não há medidas que consigam incentivar o retorno. O retorno pode ser induzido pela melhoria da situação económica, nomeadamente pela criação de emprego, mas de um emprego atractivo em relação ao destino. Neste momento em Portugal até se começa a criar emprego mas é pouco atractivo: quem está fora ganha três vezes mais e provavelmente de forma menos precária.
São necessárias políticas para a emigração, mas as que têm tido sucesso, nomeadamente na Irlanda, são as que criam laços com as diásporas – é preciso desistir de pensar que as pessoas vão voltar maciçamente; já que vão ficar, então vamos ver como tiramos partido dessa emigração.