Feijão, grão e lentilhas para todos os gostos
As Nações Unidas declararam 2017 o Ano Internacional das Leguminosas. Cinco restaurantes partilham aqui cinco formas criativas de as cozinhar.
O bolinho de feiju
Primeiro havia a feijoada à brasileira, que ganhou até honras de prato bandeira do país, acompanhada pela fiel caipirinha. Depois, alguém se lembrou de fazer o bolinho de feijoada. Afinal, o Brasil não é o país dos botecos e dos petiscos? Pegou, e forte, o hábito levado pelos portugueses e por todo o lado se pode comer um pastelinho de bacalhau, um rissol ou uma coxinha de galinha. Pelo meio, chegou então o bolinho de feijoada, conquistando, rápido e confiante, o seu caminho.
E em Lisboa, no Aromas e Temperos, onde a brasileira Juliana Adjafre faz, desde há um ano, uma cozinha em que cruza receitas do Brasil e ingredientes portugueses, nasceu um “bolinho de feiju” mais português. Tal como na feijoada, Juliana usa os enchidos portugueses, também o seu bolinho tem esses mesmos sabores e, depois de feita a bolinha, é panada em broa de milho. O bolinho é servido sobre couve galega cortada como se fosse para o caldo verde e crocante (não é para deixar no prato, como algumas pessoas fazem, é mesmo para comer).
“Servimos feijoada todos os sábados ao almoço”, explica Juliana. “O bolinho é o reaproveitamento da feijoada. Algumas pessoas batem bem o feijão. Eu prefiro esmigalhá-lo, deixando-o mais rústico e grosseiro. Depois vai para a panela, reduz-se ao máximo o líquido para poder engrossar e fazer as bolinhas.”
Quem quiser pode também aproveitar, aos almoços, para experimentar um bolinho de baião de dois (feijão com arroz), recheado com queijo. Juliana criou ainda uma versão vegan do bolinho de feiju, usando farinha de mandioca e enchidos vegetarianos.
Feijão preto
O Brasil é um grande produtor e consumidor de feijão preto, uma leguminosa com grandes benefícios para a saúde dado o elevado nível de fibra e de proteína que contém. Originários da América Central e do Sul, os feijões espalharam-se pelo mundo a partir do século XV pelas mãos dos navegadores portugueses e espanhóis.
Aromas e Temperos Travessa Rebelo da Silva, 2 Lisboa; Tel.: 213 620 119
A dosa indiana
É grande e podia encher-nos o prato todo se não viesse dobrada ao meio. “Na Índia encontra algumas muito maiores”, diz-nos um dos empregados do restaurante Costa do Malabar, especializado em gastronomia do Sul da Índia e que abriu as portas este Verão, em Lisboa. Mostramos curiosidade para saber como é feita e imediatamente nos convidam a ir até à cozinha para assistir à confecção de uma dosa, especialidade do Sul que se espalhou depois por todo o país.
A base deste crepe é uma mistura de arroz e dois tipos de lentilhas e especiarias. Os ingredientes são demolhados e depois transformados numa farinha, usando uma máquina especial vinda da Índia, que, com um pilão de pedra e uma pá de madeira, esmaga os grãos.
A pasta é deixada a fermentar e usada depois como base para os crepes, feitos sobre a chapa quente e que saem finos, dourados e saborosos. No Costa do Malabar são servidos com diferentes recheios que podem ser de frango, queijo, ovo, vegetais ou manteiga clarificada.
O ideal é pedir uma dosa e depois experimentar outros pratos, para se descobrir a (por cá ainda muito pouco conhecida) comida do Sul da Índia. O arroz, cozinhado de diferentes formas, e as lentilhas são, aliás, presença frequente nesta gastronomia. Há, por exemplo, sopa de lentilhas e, para quem quiser continuar a explorar as leguminosas, um donut de feijão preto ou a uthappam, uma pizza indiana cuja base é também de lentilhas e arroz.
Lentilhas
Provenientes de uma planta trepadeira de origem asiática, as lentilhas foram uma das primeiras culturas agrícolas domesticadas no Médio Oriente. Têm um alto teor de proteínas (que equivale a 30% das suas calorias).
Costa do Malabar Rua Rosa Damasceno, 6, Lisboa; Tel.: 210 932 433
As lentilhas Beluga
É um prato inesperado num sítio inesperado: lentilhas Beluga com gamba selvagem. A Mercearia L Praino, em Telheiras, é um projecto de Vera Fernandes, nascida e criada em Munique mas que casou com um português de Trás-os-Montes e se encantou com o planalto mirandês. Arquitecta de formação, com preocupações com a sustentabilidade dos materiais de construção, passou esse mesmo cuidado para o L Praino (o nome significa, em mirandês, O Planalto e é uma homenagem a esses dois planaltos, o mirandês e o da Baviera), não só na construção mas nos pratos que ali serve.
A posta mirandesa é o ex-líbris da casa, mas há vários outros pratos que têm em comum a qualidade dos ingredientes, diz Vera. O resultado é uma cozinha portuguesa e também bávara: se há iscas de vitela mirandesa (com o molho feito com o baço raspado) ou tomatada (com ovos biológicos e pão alentejano), há também salsichas alemãs com salada de batata ou pernil com choucrute.
E, no meio, podem surgir receitas como estas lentilhas Beluga com gamba selvagem (servidas apenas aos jantares de sexta-feira), num prato de inspiração indiana, que leva leite de coco, caril, gengibre e coentros.
Lentilha Beluga
A lentilha Beluga tem este nome porque, sendo negra e mais pequenina que outras lentilhas, faz lembrar caviar. São também mais caras e mais difíceis de encontrar que outras variedades. A cor escura indica também que são ricas em antioxidantes, além de, como todas as outras lentilhas, serem ricas em proteína e fibra.
Mercearia de L Praino Rua Professor Veiga Ferreira, 23 A (Telheiras); Tel.: 211 335 293
O húmus libanês
Há outros pratos com leguminosas no Muito Bey, que abriu em Lisboa a 10 de Outubro, como a salada de lentilhas (adasse, que significa lentilhas), a sopa de lentilhas (carbite adasse) ou o famoso falafel, bolinhas fritas, feitas com fava e grão-de-bico. “A comida libanesa usa muito as leguminosas e os vegetais”, afirma Ezzat Ellaz, o proprietário. Mas, tendo que escolher, tinha que ser o húmus. “É a estrela da nossa gastronomia.”
A receita encontra-se em todos os países do Levante, Síria, Palestina, Israel, Jordânia, Líbano, e há um debate sobre onde terá nascido exactamente. Húmus significa grão-de-bico, o ingrediente base da receita, que leva também pasta de sementes de sésamo (tahini), alho e limão e que é servido com azeite e comido com pão pita.
Conta-se que a primeira receita de uma pasta semelhante ao húmus surgiu no Cairo no século XIII, mas actualmente o Líbano declara-se o país de origem deste petisco e até fez o maior prato de húmus do mundo registado no Livro de Recordes do Guinness.
Ezzat explica que pode ser usado qualquer grão-de-bico (no seu restaurante usam produtos portugueses sempre que possível) desde que seja demolhado de véspera e depois cozido. Importante, para conseguir a consistência certa, é o tahini usado. “Na Grécia existe um que é mais escuro e menos suave, nós usamos um que vem do Líbano.”
Nos últimos anos, esta especialidade do Médio Oriente espalhou-se por todo o mundo — até porque encaixa muito bem nas novas dietas que trocam a carne por proteínas vegetais — e, conta Ezzat Ellaz, começaram até a surgir as chamadas “humuscerias”.
Grão-de-bico
O grão-de-bico é, juntamente com o feijão, uma das leguminosas mais consumidas em Portugal. Há diferentes variedades de grão-de-bico mas a que se usa em Portugal e nos países do Levante é a Kabuli, mais clara. É muito rico em proteína e fibra.
Muito Bey Rua da Moeda, 4; Tel.: 935157503
As trufas de grão-de-bico
“Fiz um prato com grão-de-bico e tahini, pasta de sementes de sésamo”, diz-nos Alice Ming quando entramos no restaurante vegan que abriu em 2012 na Mouraria, o The Food Temple. Poderia estar a falar de húmus, igual ao do restaurante libanês Muito Bey, mas não, o que Alice fez foi, usando os mesmos ingredientes, uma sobremesa doce.
Quando chegamos, o que está no tabuleiro são ainda bolinhas cor de grão-de-bico, mas pouco depois Alice começa a mergulhá-las em chocolate e o resultado são pequenas trufas de grão-de-bico com chocolate. É uma receita muito fácil, que se faz rapidamente, explica esta canadiana de origem chinesa que se instalou para Portugal e, quando todos lhe diziam que era uma ideia louca, insistiu em abrir um restaurante vegan (teve razão, porque rapidamente se tornou um local de culto).
Voltemos à receita: para além dos dois ingredientes base, o que a transforma num prato doce e não salgado é o xarope de agave, a baunilha e o óleo de coco. Tudo misturado resulta em bolas de consistência macia, semelhante à massa crua para bolachas. Normalmente, Alice usa manteiga de amendoim, mas desta vez resolveu usar tahini para o mesmo efeito. Depois é só derreter o chocolate negro ao qual juntou também óleo de coco, agave e um pouco de água quente.
The Food Temple Beco do Jasmim, 8, Lisboa; Tel.: 218874397