Esquerda tenta travar expulsão de estrangeiros com “raízes familiares”

Antes de 2012, a legislação impedia a deportação de quem tivesse nascido no país e de quem tivesse filhos menores, algo que passou a ser possível desde então. Primeiro-ministro já se pronunciou contra este tipo de expulsões, considerando-as "desumanas".

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O objectivo do projecto de lei do PCP é reverter uma mudança legislativa levada a cabo pelo Governo PSD/CDS Paulo Ricca

Um projecto de lei do Partido Comunista Português (PCP) que vai ser debatido nesta quinta-feira no Parlamento quer impedir que cidadãos estrangeiros, mesmo tendo cometido crimes, sejam expulsos de Portugal porque têm cá as suas “raízes familiares”.  “O objectivo”, diz o deputado Jorge Machado, “é pôr fim a situações de profunda injustiça e desumanidade”. O Bloco de Esquerda (BE) viabilizará a iniciativa. O primeiro-ministro já se pronunciou contra este tipo de expulsões.

Numa reportagem do PÚBLICO em Cabo Verde, publicada em Fevereiro, representantes oficiais das autoridades cabo-verdianas revelaram que aquele país tem recebido cidadãos expulsos de Portugal: alguns viviam em Portugal desde crianças, outros nunca tinham estado em Cabo Verde. A ministra das Comunidades do país, Fernanda Fernandes, denunciou, por exemplo, o caso de um sem-abrigo encontrado nas ruas do Estoril pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) que foi deportado "só com a roupa do corpo" e ainda com a pulseira do departamento de Psiquiatra do Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Tinha nascido em São Tomé e Príncipe (mas tinha pais cabo-verdianos) e vivia em Lisboa desde criança. Não conhecia ninguém em Cabo Verde.

O objectivo do projecto de lei do PCP é reverter uma mudança legislativa levada a cabo pelo Governo PSD/CDS, que deixou de considerar que há estrangeiros “inexpulsáveis”. A lei de estrangeiros de 2007 definia que havia pessoas que nunca poderiam ser deportadas: caso tivessem nascido em Portugal, ou aqui vivessem desde antes dos dez anos, ou tivessem no país filhos menores a seu cargo. Com a alteração legislativa de 2012, cidadãos nestas condições passaram a poder ser deportados, desde que estivesse em causa “a segurança nacional” ou “a ordem pública”.

A advogada Susana Alexandre, que tem defendido vários casos de pessoas condenadas em Portugal expulsas administrativamente pelo SEF, diz que a expressão “a segurança nacional ou a ordem pública” tem funcionado como “um enorme buraco negro". O entendimento actual do SEF, afirma, é o de que "qualquer pessoa que foi condenada atenta contra a ordem pública”, mesmo que tenha em Portugal sua vida familiar. O que significa que muitos reclusos são expulsos administrativamente pelo SEF mal acabam de cumprir as suas penas.

O primeiro-ministro já se pronunciou a favor do fim desta prática, a propósito do caso de Cabo Verde. António Costa considerou, em Junho, que este tipo de expulsões são "desumanas" e disse "que não contribuem para a reinserção social" do cidadão que cometeu o crime, citou a Lusa. “Iremos resolver essa situação tão breve quanto possível", acentuou na altura. Contactado pelo PÚBLICO, o gabinete do primeiro-ministro não se pronunciou em tempo útil.

Segundo o projecto de lei do PCP, “não faz qualquer sentido que, com a invocação discricionária de razões securitárias, o Estado Português se arrogue o direito de expulsar cidadãos para países com que estes não têm qualquer outra relação que não seja um vínculo formal de nacionalidade que não corresponde à realidade da vida”, lê-se. O deputado comunista Jorge Machado diz que a alteração legislativa conduziu “a uma situação absurda, de profunda injustiça e desumanidade”. “Temos expectativa que o projecto reúna consenso.” O Bloco de Esquerda deverá viabilizar o projecto, referiu o deputado José Manuel Pureza.

"Mandam para o degredo"

A presidente da Associação Luso-Cabo-Verdiana de Sintra, Rosa Moniz, diz que repor o quadro legal anterior “é uma questão de humanidade”. A responsável lembra “o rebuliço que é quando chegam portugueses deportados do Canadá ou dos Estados Unidos". "É estranho que concordemos em mandar embora de Portugal pessoas na mesma situação.”

Rosa Moniz diz que há situações que custam muito, "como o de um jovem envolvido num roubo, mas que já tinha mudado de comportamento". "Tinha um filho pequeno, era ele que cuidava dele. Foi expulso este ano para Cabo Verde.” A responsável acredita que se tivesse um advogado o jovem tinha conseguido reverter a situação.

“Estamos a falar de jovens que nasceram cá ou que vieram para Portugal muito pequenos, que a escola não conseguiu integrar. Acabam por se juntar a grupos. É um problema social.” Rosa Moniz faz uma comparação: é como ter um filho biológico e adoptar outro. “Se adopto uma criança é minha responsabilidade dar-lhe o mesmo tratamento que dou ao outro”, diz a propósito de Portugal.

O presidente da Associação Solidariedade Imigrante, Timóteo Macedo, defende que está em causa uma questão de igualdade, criticando o facto de os estrangeiros acabarem, na prática, por ser condenados a duas penas: “Mandam as pessoas para o degredo." O responsável contesta ainda que estas expulsões possam ser levadas a cabo “por um órgão de polícia como é o SEF”.

À mesma hora que o projecto lei do PCP e um outro do BE também sobre a lei de estrangeiros vão ser apresentados, esta associação organiza, em frente ao Parlamento, uma acção de protesto de imigrantes contra “medidas burocráticas e securitárias instaladas no Estado Português.”

Em 2014, Portugal expulsou 402 estrangeiros (263 foram expulsões administrativas levadas a cabo pelo SEF e 139 foram executadas pelos tribunais), em 2015 este número desceu para 325 (223 foram administrativas, as restantes foram judiciais).

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