O diálogo nacional na Venezuela é uma conversa de surdos

A iniciativa lançada pelo Vaticano procura superar a discórdia e encontrar um clima de confiança, mas nem o regime de Nicolás Maduro nem a oposição ao chavismo dão mostras de interesse numa convivência pacífica.

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Antes das negociações, a oposição e o Governo vão medir força nas ruas Reuters/CARLOS EDUARDO RAMIREZ
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Pessoas saíram à rua para se manifestarem a favor da destituição do presidente Nicolás Maduro, ainda este ano AFP/FEDERICO PARRA
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Um grupo de apoiantes do Governo, que empunhavam bandeiras do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), invadiu a assembleia, acabando por obrigar à interrupção da sessão durante 45 minutos AFP/JUAN BARRETO
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A Assembleia Nacional da Venezuela acusou oficialmente o Presidente, Nicolás Maduro, de estar a promover um “golpe de Estado” no país AFP/JUAN BARRETO
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A radicalização por parte da oposição anti-chavista surge como resposta à suspensão do processo de marcação do referendo revogatório e pode abrir caminho a uma destituição AFP/JUAN BARRETO
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Os partidários do oficialismo envolveram-se numa autêntica batalha campal e o caos instalou-se num dos salões da câmara legislativa. Duas pessoas ficaram feridas durante os confrontos, de acordo com o jornal El Nacional AFP/JUAN BARRETO

Convém refrear as expectativas. Nem o Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, nem os representantes da coligação que agrupa os diferentes movimentos de oposição ao regime chavista do país que aceitaram reunir sob a mediação do Vaticano, e da troika de antigos Presidentes em representação da Unasur, estão realmente dispostos a “negociar”. O diálogo que está prometido para o próximo domingo, na ilha Margarita, é uma conversa de surdos.

À boa vontade e optimismo manifestados pela Santa Sé, na segunda-feira, ao anunciar de surpresa que “está aberto o diálogo nacional” entre o Governo e a oposição, sobrepôs-se a realidade do quotidiano venezuelano. O fosso ideológico que separa as duas partes na mesa negocial é tão grande; as diferenças são tão inconciliáveis e o rancor e tensão estão tão extremados, que nem sequer se sabe exactamente o que é que vão discutir e em que termos. Qual a agenda do diálogo, e a ordem de trabalhos do encontro? Quais as condições impostas pelos negociadores e pelos representantes dos dois lados? Há linhas vermelhas?

Nada foi dito a esse respeito, o que obrigou o núncio apostólico de Buenos Aires e enviado do Vaticano, monsenhor Emil Paul Tscherrig, a esclarecer que o que se iniciou foi uma etapa preliminar, em que representantes do Governo e da oposição concordaram em “estabelecer as condições para uma reunião plenária” e discutiram uma proposta apresentada pela troika da Unasur (os ex-Presidentes do Panamá, Martín Torrijos, da República Dominicana, Leonel Fernández, e o antigo chefe de Governo espanhol, Rodríguez Zapatero) com “premissas, temas, metodologia e cronograma” do processo de diálogo – urgente perante “a situação de crise política social e económica que o país atravessa e tem graves repercussões na vida da população”.

“Mas qual diálogo? Não há diálogo nenhum quando do outro lado está o diabo”, declarou esta terça-feira o governador do estado de Miranda, Henrique Capriles, adversário presidencial de Nicolás Maduro em 2013, desfazendo a ilusão de que poderá haver uma solução para o impasse venezuelano.

Num sinal evidente de que nenhum dos lados parte com confiança para o processo, o Presidente Nicolás Maduro insistiu que o diálogo terá como “ponto central” a recuperação económica do país, e o “abandono do caminho do golpismo”, enquanto que a coligação da oposição Mesa de Unidade Democrática apontou como os seus objectivos o “respeito ao direito de voto; liberdade para os presos políticos e regresso dos exilados; atenção às vítimas da crise humanitária e respeito à autonomia dos poderes”.

Antes de viajarem para a “reunião plenária” na costa do Caribe, os líderes do Governo e da oposição ainda vão confrontar-se na rua, esta quarta-feira. Liderada por Capriles, a oposição não mudou os seus planos depois de se comprometer com as negociações: a sua nova jornada de luta contra o Governo, convocada após a suspensão, por prazo indefinido, do processo de recolha de assinaturas para a realização de um referendo para revogar o mandato do Presidente, não foi desmarcada.

“Só há uma maneira de reagir contra o golpe de Estado que Maduro está a levar a cabo com a conivência das instituições que ele controla: sair à rua em todo o país, como está previsto”, defendeu o governador no seu programa “Pregunta Capriles” transmitido através da rede social Periscope.

“Em resposta aos planos da direita de transgredir a lei fundamental e vulnerar a paz e estabilidade da república”, o número dois do chavismo e ex-presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, chamou a população revolucionária para marchar sobre Caracas, até à porta do palácio presidencial de Miraflores, em defesa da Constituição. “Temos um programa montado para todos os dias da semana, porque um povo mobilizado é o melhor antídoto contra os planos de golpe de Estado”, justificou.

Não deixa de ser absurdo falar em acordos e negociações enquanto se cerram fileiras e se traçam planos de embate. Como notava à Bloomberg o analista Francisco Rodriguez, da Torino Capital, “o palco que está a ser montado é para um confronto de poderes, onde tanto o Governo como a oposição desafiam a legitimidade e legalidade do outro”.

Mais flexível do que Capriles, o secretário-executivo da Mesa de Unidade Democrática (MUD), Jesús Torrealba, explica que as duas coisas não são contraditórias nem se excluem mutuamente. “Há quem tenha essa confusão na cabeça, mas para nós é muito claro que o diálogo é apenas um dos muitos cenários da luta para a mudança política na Venezuela”, precisou o dirigente da oposição. Os outros cenários (onde pretendem combater o chavismo) são “a rua, a Assembleia Nacional e a comunidade internacional”, enumerou.

Perante a postura intransigente dos dois lados, parecem estar comprometidos à partida os objectivos avançados pelo Vaticano para o processo negocial: “Encontrar um acordo, criar um clima de confiança, superar a discórdia e promover um mecanismo que permita a convivência pacífica” entre Governo e oposição para responder aos problemas conjunturais do país, como reproduzia o jornal El Universal por baixo da sua manchete.

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