O seu seguro do telemóvel cobre furto ou apenas roubo? Não é a mesma coisa

Os seguros de equipamentos electrónicos podem custar várias dezenas ou mesmo algumas centenas de euros, mas revelam-se, muitas vezes, totalmente inúteis.

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Seguros de equipamentos electrónicos devem ser avaliados em função do utilizador/ambiente de utilização. Paulo Pimenta

Entrou no metro e quando saiu descobriu que não tinha o seu telemóvel. Foi vítima de furto e o seguro não cobre. Estava na rua e foi assaltado com violência: foi agarrado, empurrado, e tem testemunhas dispostas a confirmarem que lhe levaram o telemóvel com recurso a furto. Neste caso é roubo, e o seguro paga.

É mesmo assim. Os seguros contra furto por arrombamento, roubo e danos acidentais dos equipamentos electrónicos, como telemóveis, computadores, tablets, e outros, podem ser úteis em algumas situações, mas também se revelam inúteis em muitas outras.

Podemos juntar outro exemplo elucidativo das limitações deste produto, como é o caso de um automóvel ter sido assaltado e de ter sido levado o computador ou outro equipamento que se encontrava no seu interior. É necessário fazer prova do arrombamento, mas em princípio a seguradora vai pagar. Mas há seguros que só cobrem o furto por arrombamento ocorrido durante o dia, ou, para sermos mais precisos, entre as 8:00 e as 22:00. A cobertura de danos acidentais, a outra vertente destes seguros, também é muito complexa: cobrem danos físicos, resultantes de quedas, e também derrame de líquidos, mas se estes não forem corrosivos. O derrame de leite já foi considerado corrosivo num caso acompanhado pela associação de defesa do consumidor Deco.

As seguradoras alegam que as limitações/exclusões são necessárias para evitar abusos, ou seja protegem-se desse risco. Desprotegidos ficam muitos consumidores, a quem, na maioria dos casos, não é prestada a informação essencial ou está mesmo errada nestes seguros, cuja duração não excede os dois anos. Também a desfavor do consumidor está a linguagem pouco acessível dos seguros, o tamanho da letra dos contratos, o contexto em que a venda é feita.

Colocar um vendedor de equipamentos a promover “um produto financeiro com alguma complexidade” aumenta o risco de falhas na informação, defende a jurista Carla Varela, da Deco, que coordenou um estudo sobre esta matéria. “Baseado nos testemunhos dos consumidores, poder-se-á afirmar que existe uma grande persuasão na contratação de um seguro, configurando uma verdadeira venda agressiva, sempre acompanhada de alegações do tipo ´cobre tudo’ e com notória falta de informação acerca das reais e efectivas condições do seguro”.

A pouca informação prestada leva muitos clientes a subscrever estes produtos sem acautelar outras possibilidades ligeiramente mais baratas, como ao seguro de extensão de garantia - que não é possíveis para os telemóveis, mas que pode ser mais indicadas para computadores portáteis - e que cobre reparações ou substituição do equipamento em situações de defeito de fabrico ou problemas de funcionamento.

A pressa e a confiança excessiva no que é transmitido pelo funcionário leva muitas vezes a uma subscrição sem a leitura prévia da apólice, em especial no que está efectivamente segurado, que aparece sob a designação de “coberturas” e, tanto mais importante que estas, o que o seguro não cobre, que surge logo a seguir, sob o chapéu de “exclusões”. 

Não é por acaso que o número de exclusões é significativamente superior ao dos riscos cobertos. Mas é preciso ter em atenção outras, como a que indica o que é que o segurador deve fazer quando precisar de accionar o seguro. É que é aqui que, habitualmente, se fica a percebe que é preciso ter testemunhas que confirmem o roubo ou furto por arrombamento. Na larga maioria dos casos, a simples apresentação de queixa na PSP não é suficiente para beneficiar do seguro.

Isso mesmo concluiu o estudo realizado pela Deco, em 2014, e que foi actualizado em 2015: “Os seguros [analisados] revelaram-se pouco interessantes para o consumidor, precisamente porque, não raras vezes, as exclusões existentes afastavam qualquer possibilidade de reparação/compensação, mesmo dentro dos mais elementares casos de danos e/ou furto”, destaca Carla Varela.

A pressa pode sair cara

Mas o consumidor está isento de culpas nas falhas detectadas mais tarde? Não. “Todos os contratos e em especial nos que se referem a produtos e/ou serviços financeiros, que são dotados de um certo nível de complexidade técnica, devem ser lidos previamente e devem ser solicitados todos os esclarecimentos necessários à tomada de uma decisão esclarecida e reflectida”, alerta Carla Varela.

A jurista da Deco lembra que o custo destes seguro, que é elevado, justifica uma cautela redobrada na sua contratação. O custo depende do valor do objecto a segurar, e do risco associado ao equipamento. Por exemplo, no caso dos telemóveis, pode representar um terço do preço do equipamento, tendo uma peso superior ao de um seguro para computadores portáteis. Os custos destes seguros também estão definidos para intervalos de preços (por exemplo, entre 150 e 300 euros, ou 200 e 600), o que penaliza quem se situa perto do valor mais baixo.

A Autoridade Supervisora dos Seguros e Fundos de Pensões (ASF), antigo Instituto de Seguros de Portugal, pediu à Deco o estudo realizado sobre esta matéria, mas até agora não foi visível uma melhoria nos aspectos mais problemáticos, designadamente na fiscalização da informação prestada nos pontos de venda e na simplificação da informação que está nos contratos. De acordo com a Deco, apenas se verificou um avanço relativo à inclusão de informação sobre a resolução de eventuais conflitos, que anteriormente não existia.

E há outras matérias relevantes que deveriam merecer a atenção da ASF. Carla Varela refere, por exemplo, a errada denominação/tipificação dos crimes de furto e roubo. E ainda “uma restrição dos meios de prova legalmente admitidos, quando se considera excluída a cobertura de furto ou roubo por inexistência de testemunhas”.  

O PÚBLICO enviou um pedido de esclarecimentos à ASF no final de Setembro, e pediu o número de queixas sobre estes seguros, mas não obteve resposta. Contudo, o nosso interesse nesse esclarecimento mantém-se.

Até Setembro do corrente ano, a Deco recebeu 171 queixas/pedidos de informação, que somadas às 232 do ano passado faz subir o número para 433.

Não foi possível saber quantos equipamentos são vendidos com seguros, numa pequena ronda por três grandes estabelecimentos de venda de equipamentos do género os testemunhos recolhidos foram todos no sentido de são elevados.

Minutos que podem fazer a diferença

A pressa é inimiga de uma decisão consciente. Os seguros para equipamentos electrónicos são apresentados no acto da compra. E para além da pouca ou má informação prestada é dito ao cliente que o seguro tem de ser feito no acto da compra. O cliente pode ler a apólice na loja, à pressa, de pé. Ou, em alternativa, optar por reservar o aparelho e pedir as condições do contrato e lê-las calmamente. O ideal é fazer essa leitura sentado, ou aproveitar para tomar um café ou beber uma água. O importante sentar-se, ler a apólice, e se tiver dúvidas pedir ajuda a um familiar, a um amigo, ou a alguém mais especializado. Depois volte a entrar na loja e conclua a compra, com ou sem seguro, como achar melhor.

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